João Pereira Coutinho
Folha
Estamos torcendo para os carecas serem protegidos em lei
É bom saber que, na França, os deputados aprovaram um projeto de lei para combater a “discriminação capilar”. Quando li a respeito, me olhei no espelho e, para usar a palavra da moda, me senti empoderado.
Sim, eu sei: a lei pretende proteger minorias étnicas que têm cabelos particulares. Quem recusar um bem, um serviço ou um trabalho devido ao penteado exótico do candidato pode incorrer numa pena de prisão até três anos – e multa até 45 mil euros.
E OS CARECAS? – Minha esperança é que os calvos, ou os semicalvos, também sejam protegidos pelos braços vigorosos da república. Antigamente, no topo da minha cabeça, havia uma juba leonina ondulando ao vento.
Hoje, e para citar o grande filósofo George Costanza, há apenas os vestígios de uma outrora grande civilização. Respeito é o mínimo que se exige. Ou cadeia, para quem ignora que no peito dos descabelados também bate um coração.
Claro que, entre os cínicos, haverá quem ria dessa lei. Os cínicos desconhecem o longo caminho que nos permitiu chegar até aqui. Nos bons velhos tempos, o liberalismo era um cavaleiro corajoso que enfrentava os grandes dragões, como escreveu Kenneth Minogue no seu “The Liberal Mind”. Era preciso enfrentar a monarquia absoluta, a intolerância religiosa e a aristocracia e os seus privilégios.
OUTROS DRAGÕES – Esses dragões foram sendo conquistados. Vieram dragões menores: a pobreza, a ignorância, a doença, a segregação. Com graus variáveis de sucesso, os Estados do Ocidente foram domando esses males.
Vieram então os microdragões, com suas microinjustiças: hoje, é o cabelo; amanhã, será o pé chato; depois de amanhã, talvez as rugas e as verrugas.
Se uma pessoa saudável é alguém que ainda não foi devidamente analisado, o mesmo vale para uma vítima: todos somos vítimas de alguma coisa.
VÍTIMAS DA ALOPECIA – E também aqui a evolução histórica é impressionante: as vítimas da Inquisição, do absolutismo ou do racismo deram lugar às vítimas da alopecia.
O ideal, aliás, era que os calvos pudessem exigir ao Estado uma indenização generosa pela violência genética a que são submetidos.
Se a França avançar com o cheque, eu ainda mudo de nacionalidade.
UM MOMENTO POR FAVOR: No Brasil estamos muito mais avançados. Por aqui, somos esmeradamente educados e ninguém comenta que 40% dos ministros do Supremo já estão usando perucas ou apliques. Em breve, poderemos atingir os 50% de emperucados no STF, algo jamais visto na História da Justiça Universal.