Marcelo Godoy
Estadão
A virtude e o direito eram para Cícero premissas, o núcleo fundador de seu tratado sobre a República. Não é por outra razão que Francesca Nenci, ao analisar a obra De Re Publica do pensador romano, afirma que, por meio de uma concepção da virtude (virtus) estritamente ligada ao direito, o diálogo de Cícero se sustenta em um sistema de valores próximos à tradição ocidental do chamado republicanismo.
A teoria ciceroniana tem como base a ideia de que o homem tem por fim natural a vida em sociedade onde possa realizar a parte melhor de si mesmo justamente no âmbito do Estado, como cidadão, em sua vita activa. O ministro Alexandre de Moraes conhece bem essas páginas. Poucos em Brasília sabem como ele a importância da virtù para um homem público. Sua trajetória é testemunha disso.
DOCUMENTOS – Na quinta-feira passada, a Polícia Federal recebeu das mãos dos advogados de Filipe Martins, ex-assessor da Presidência, uma série de documentos. São passagens aéreas em nome dele e de sua mulher, datadas do dia 31 de dezembro de 2022, no voo 3860 da Latam, que saiu às 16h50 de Brasília e pousou às 18h36 em Curitiba. As poltronas 11E e 11F foram ocupadas, segundo a defesa, por Martins e pela mulher.
Os comprovantes do despacho da bagagem também foram exibidos aos doutores da PF, bem como e-mails da companhia aérea mostrando que o casal esteve no voo, fato, aliás, que as imagens das câmeras dos dois aeroportos podem confirmar, bem como o deslocamento dos telefones celulares do casal, segundo os dados das estações rádio-base. Ou seja, se os documentos fossem falsos, isso seria facilmente verificado pela PF.
Martins teve a prisão preventiva decretada por Moraes porque a PF achou seu nome em uma lista de passageiros que embarcou para a Flórida com o chefe, Jair Bolsonaro, em 29 de dezembro, sem que houvesse registro da saída do assessor na alfândega.
DÚVIDA RAZOÁVEL – Isso faria dele alguém que pudesse sair do Brasil sem precisar do passaporte, daí porque a entrega do documento não bastaria para impedir sua fuga, a exemplo do que Moraes decidiu a respeito de Bolsonaro e de Braga Netto.
O problema é que os dados da defesa, em tese, levantam uma dúvida razoável de que Martins não tenha deixado o País, informação que fundamentou a prisão. E, se há erro, ele deve ser solto.
Não há dúvida que o mais grave crime em uma República é o atentado contra o Estado Democrático de Direito. Esta também definha se o governo não visa ao bem comum. E sem o justo não há virtude. A mera consciência teórica desta não basta. É preciso exercitá-la. É este o desafio que se coloca diante do ministro Moraes. Se Martins cometeu crime, que seja processado, mas segundo as leis aplicáveis a todos. Nem mais nem menos.
UM MINUTO POR FAVOR: Como Moraes e os outros ministros do Supremo jamais erram, são mortais imunes a erros, ele vai alegar que Martins foi preso por causa da minuta, embora seja exagero prender alguém por entregar um papel a outrem.