VIDA & ARTE NO CAMPO DE SUA MAJESTADE O REI PELÉ

Helio Viana
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A vida é um sopro, mas o legado é para toda uma eternidade.  Convivi quase diariamente com Pelé por mais de 20 anos. Ficamos uns quatro anos afastados por intrigas, calúnias. Mas logo os mal-entendidos foram esclarecidos, assuntos resolvidos, meus direitos respeitados. A amizade e o carinho de volta novamente. 

Pelé pode ter cometido muitos erros, como todos cometemos, mas por trás do mito existia um ser humano com suas inseguranças, falhas, medos, receios. Porém não se pode negar que era um ser diferente. 

AQUELA LUZ – Um gentleman, uma educação ímpar. Jamais recusava um autógrafo a quem quer que fosse e ainda fazia questão de escrever o nome do fã. Horários estourados, compromissos ultrapassando a hora, e ele, educadamente, assinando os autógrafos, dando uma palavra de afeto, uma pose para a foto. Dizia que, se era para tratar alguém mal, melhor não sair de casa. E, assim, onde ia, levava aquela luz.

Tinha o dom de transformar o mais soberbo em humilde, sem importar se eram reis, rainhas, presidentes, primeiros-ministros, ricos ou pobres e todos eram tratados da mesma forma, com respeito e carinho. No final, todos se sentiam íntimos.

Lembro que, estando em Paris a trabalho, ele não pôde comparecer a um jantar oferecido ao presidente Fernando Henrique Cardoso pela rainha Elizabeth, onde Pelé também seria condecorado. O duque de Edimburgo, príncipe Philip, marido da rainha, foi então com o seu staff, no dia seguinte, a um evento para crianças em que Pelé seria o anfitrião, levar a comenda e medalha que a rainha daria ao Pelé.

A rainha admirava Pelé e lhe concedeu o título de Cavaleiro

CAVALEIRO DA RAINHA – Quem acabou recebendo a condecoração fui eu, para entregar depois ao nosso rei. Solicitei, então, ao príncipe Philip que condecorasse diretamente o Pelé. Ele recusou, dizendo que “essa ação é prerrogativa da rainha para o rei do futebol, não me cabe esse ato”.

Então, tomei a liberdade e eu mesmo coloquei a medalha no pescoço de Pelé. Quando ele se virou, já estava devidamente condecorado “Cavalheiro do Império Britânico” uma das mais altas comendas da coroa britânica. E é somente por isto que só se tem a fotografia de Pelé já com a medalha no peito.

O príncipe Philip esboçou um leve sorriso diante de tal ousadia da minha parte, mas tenho certeza de que contou para a rainha Elizabeth o que acontecera e sua majestade, possivelmente, deve ter se divertido.

AMIGO DE MANDELA – Com Nélson Mandela estivemos por três vezes e já se tratavam como “brothers”. Em um jogo entre palestinos e judeus que a Fifa organizou em Roma, estavam em uma roda batendo papo o nosso Pelé, o presidente da Fifa Joseph Blatter, o presidente italiano Sandro Bertini, o líder palestino Yasser Arafat e o ex-primeiro ministro de Israel, Shimon Perez, também prêmio Nobel da Paz

Eis que chega Mandela acompanhado de Frederik Willem de Klerk, a quem apresentou a Pelé como sendo seu antecessor na presidência da África do Sul e quem decretou o fim do regime de apartheid no país africano e que recebeu também o prêmio Nobel da Paz, assim como Nelson Mandela.

Era lindo ver o carinho que Mandela tinha por Pelé como se este fosse seu irmão mais novo.

MUITAS HISTÓRIAS – Viagens foram centenas, horas intermináveis em voos para os cinco continentes. Haja história. Nessas ocasiões, Pelé me relatava acontecimentos que ocorreram desde que pisou pela primeira vez em Vila Belmiro até fatos que haviam ocorrido no dia anterior. Éramos confidentes.

Nascia no campo de Vila Belmiro o gênio da bola, mas muita coisa teve que desenvolver nos treinos como chutar com os dois pés, cabecear com os olhos abertos para ver a posição do goleiro, escolher o canto, driblar para os dois lados e bater faltas. O treino terminava, mas Pelé continuava lá.

Como não tinha muita altura, amarrava a bola no alto e ficava treinando o cabeceio. Foi assim que adquiriu aquela impulsão absurda.

UM SEGUNDO DEPOIS – Num desses papos, revelou-me uma malandragem sua: saltava sempre um segundo depois do zagueiro. Foi num salto desses que o jogador italiano Tarcísio Burgnich se assombrou e nos  revelou num encontro em Milão: “sou muito.mais alto que Pelé e saltamos ao mesmo tempo, eu já estava caindo sem alcançar a bola e Pelé ainda estava subindo”. Resultado, gol de cabeça de Pelé na final da Copa de 70 contra a Itália.

Pelé sempre foi um curioso. revelou-me que chegou um dia para Waldemar de Brito e perguntou o que deveria fazer quando chegasse na área antes dos companheiros e não tivesse com quem tabelar.

Resposta que teve foi “jogue com a canela do zagueiro adversário. Ele não vai estar esperando”. Depois de inúmeras tentativas, Pelé conseguiu.

COISAS MILAGROSAS – Retornou à Waldemar e reclamou assim mesmo que fora muito difícil. Queria saber quem jogava assim. Waldemar disse “na verdade nunca vi ninguém, mas como você faz coisas milagrosas no campo, imaginei que faria mais esta”. 

Alguns diriam que Pelé não jogaria tanto hoje. A sua resposta, porém, foi sempre a mesma.

“Se eu consegui ganhar três copas do mundo, fazer mais de mil gols jogando com chuteiras de prego, bola de couro que na chuva encharcava e pesava uma tonelada, depois no sol ela secava e entortava, uniforme pesado. Imagina hoje então com a preparação física dos atletas, equipamentos modernos e juízes e VAR que protegem os atacantes?” 

À MODA ANTIGA – Na época de Pelé não existia nada disso e muitos cartões vermelhos e amarelos que só vieram surgir em 1966, quando o nosso Rei já havia vencido duas Copas e dois Mundiais de Clubes. Os zagueiros diziam que da cintura para baixo tudo era canela e a principal caça em campo sempre foi Pelé.

A verdade é que, se olharem direito, verão que dos gols de Messi, dos dribles dos Ronaldos, os lindos gols de Romário e as jogadas de Neymar, não há nada diferente no futebol atual que não tenha sido feito por Pelé.

Daí vem esse respeito que o mundo inteiro desenvolveu por ele e pelo Brasil, terra onde nasceu e nunca abandonou. A vida é um sopro e Pelé não poderia ter ido tão cedo, mas o seu legado é imensurável. Transformou o futebol em magia e colocou o Brasil no mapa-múndi.  Descanse em paz, querido amigo e sócio.

(Artigo enviado por Mário Assis Causanilhas)

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Um dia acordei para ‘jornalizar’ a vida com os meus leitores. Nesta época trabalhava no extinto jornal Tribuna do Ceará, de propriedade do saudoso empresário José Afonso Sancho. Daí me veio a ideia de criar o meu próprio site. O ponta pé inicial se deu com a criação do Caririnews, daí resolvi abolir este nome e torna-lo mais regional, foi então que surgiu O site “Caririeisso” e, desde lá, já se vão duas décadas. Bom saber que mesmo trabalhando para jornais famosos na época, não largava de lado o meu próprio meio de comunicação. Porém, em setembro de 2017 resolvi me dedicar apenas ao site “Caririeisso”, deixando de lado o jornal Diário do Nordeste, onde há sete anos escrevia uma coluna social…

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