Silvio Cascione
Estadão
É consenso que os ataques de 8 de janeiro aumentaram o apoio, no curto prazo, ao governo Lula. O ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados estarão às voltas com processos judiciais por meses, e o risco de Bolsonaro se tornar inelegível é real. Com parte expressiva da oposição atordoada e sob pressão, Lula terá mais espaço para implementar sua agenda econômica sem obstrução significativa nos próximos meses, podendo aprovar uma nova regra fiscal e um novo sistema para os impostos sobre consumo ainda em 2023.
Conforme a poeira baixar, porém, a oposição a Lula conseguirá se reagrupar e ainda lhe dará bastante trabalho. A rejeição ao PT ainda é grande, e os desafios econômicos são enormes. Se a economia não crescer de forma sustentada, a popularidade de Lula tende a cair, e a coalizão governista no Congresso se tornará mais instável. Trocas de ministros ficarão mais frequentes.
BOLSONARO VEM AÍ – O que tem escapado a muitas análises é que, quando esse dia chegar, Bolsonaro ainda terá bastante relevância nesse jogo. Será difícil isolar completamente o ex-presidente, assim como tem sido difícil para uma ala do Partido Republicano tirar o ex-presidente Donald Trump do páreo.
Isso acontece porque Bolsonaro, assim como Trump, exerce uma liderança carismática sobre parte expressiva da população que renega profundamente o atual sistema político.
Não é à toa que Bolsonaro terminou o mandato com 39% de aprovação, segundo o Datafolha. Uma minoria trata o ex-presidente como “mito”, com comportamento de seita. Mas muitos outros apenas simpatizam com ele, e aprovam a maneira como governou.
CAPITAL POLÍTICO – Haverá, certamente, um esforço para minar esse capital político de Bolsonaro. As notícias sobre os gastos no cartão corporativo são um exemplo de como haverá um esforço coordenado para manchar a reputação do ex-presidente entre aqueles que ainda o apoiam.
Mas os últimos quatro anos ensinaram que os eleitores de Bolsonaro não se impressionam facilmente com as críticas a ele.
Isso tudo é importante para pensar sobre a configuração da oposição a Lula, e o cenário de longo prazo da política brasileira.
TAREFA HISTÓRICA – A direita tem diante de si uma tarefa histórica importante – a de isolar os golpistas e extremistas e se reorganizar mais uma vez em bases democráticas, abandonando de vez a contestação às urnas e a invocação dos militares como “poder moderador”.
Certamente haverá bastante apoio institucional, financeiro e ideológico para alternativas à direita, na oposição a Lula, que cumpram esses requisitos. Mas a direita que quer construir uma alternativa competitiva a Bolsonaro precisa considerar o elemento “carisma” na equação.
Daqui a um ano ou dois, quando houver pesquisas de intenção de voto para 2026, Bolsonaro ainda deverá ser o mais popular candidato de oposição a Lula, e tudo o que disser terá repercussão na opinião pública – esteja ele com seus direitos políticos preservados, ou não.