Deu em O Globo
A política industrial voltou à agenda depois que, nos Estados Unidos, Joe Biden ofereceu incentivos a setores como semicondutores ou energia limpa para competir com a China. No Brasil, o governo Luiz Inácio Lula da Silva decidiu, sob o mote da “reindustrialização”, ressuscitar subsídios para automóveis, indústria naval e sabe-se lá o quê.
O sufoco das cadeias de suprimento na pandemia é visto como pretexto para reviver a proteção a “campeões nacionais” ou “indústrias estratégicas”. Defensores de políticas industriais costumam justificá-las dizendo que nenhum país se desenvolveu sem adotá-las — e apontam para Estados Unidos, Europa e Ásia.
INTERPRETAÇÃO EQUIVOCADA – Trata-se, porém, de uma interpretação equivocada dos fatos históricos. “A crença em que os países ricos tiveram sucesso por terem protegido a manufatura (…) se revelou uma leitura errada da História”, escreve o economista Douglas Irwin, do Instituto Peterson para Economia Internacional.
Os Estados Unidos, diz ele, se desenvolveram em razão da abertura para imigração, capital e tecnologia e do aumento de produtividade no setor de serviços, não na indústria. Na Europa, o crescimento veio da transição da agricultura. Uma simulação de economistas das universidades da Califórnia, de Michigan e do MIT concluiu que, mesmo em economias abertas com políticas industriais bem formuladas, os ganhos “não chegam a ser transformadores”.
A Coreia do Sul, frequentemente citada como modelo, foi esmiuçada por Irwin num estudo de 2021. O país, diz ele, se tornou uma economia exportadora antes de adotar qualquer incentivo à indústria, em razão da desvalorização da moeda nos anos 1960. “A política industrial só começou (…) entre 1973 e 1979”, diz Irwin. “O crescimento rápido já tinha sido deflagrado.”
EXEMPLO DA CHINA – A China comprova como incentivos a indústrias “estratégicas” costumam dar errado. Um estudo de economistas das universidades Harvard e Cornell concluiu que subsídios chineses à indústria naval — uma das preferidas de Lula —, embora tenham aumentado sua presença no mercado, “criaram distorções significativas e levaram a ociosidade e fragmentação”. Estatais chinesas foram favorecidas, mas não houve benefícios para o resto da economia.
Outro fracasso da política industrial chinesa foi a tentativa de criar um competidor para Boeing e Airbus com a aeronave Comac C919. Mesmo com investimentos de US$ 70 bilhões para desenvolver o projeto, a entrega atrasou cinco anos, e nenhuma autoridade fora da China homologou o novo avião.
CAUSAS DO CRESCIMENTO – “Apesar do êxito na política industrial que desenvolveu sua rede ferroviária doméstica de alta velocidade, a China foi incapaz de reproduzir a conquista na competitiva indústria de aviação”, diz Irwin. O país não enriqueceu pela política industrial, mas pelo aumento de produtividade agrícola, investimento estrangeiro em manufatura e liberdade para o setor privado.
“Só porque Estados Unidos, China ou União Europeia podem se dar ao luxo dos subsídios não significa que outros países devam segui-los”, afirma Irwin.
“Economias em desenvolvimento não podem oferecer subsídios generosos a produtores locais quando seu equilíbrio fiscal é precário e os retornos incertos. Fundos públicos escassos são gastos de modo mais eficaz melhorando a saúde, a educação e ajudando os pobres do que dirigidos a indústrias domésticas.” O recado para o Brasil não poderia ser mais claro.