Hélio Schwartsman
Folha
or que a democracia brasileira não morreu? Essa é a pergunta que dá título à nova obra dos cientistas políticos Marcus André Melo e Carlos Pereira. E a resposta curta a ela, que avanço por minha conta, é “por causa do centrão”.
A ideia central do livro é que os mesmos ingredientes institucionais que geram essa coisa amorfa e fominha que é o centrão também serviram para frear os ímpetos autoritários de Bolsonaro que, se pudesse, teria desferido um golpe.
FREIOS E CONTRAPESOS – Cada democracia tem seu mix de freios e contrapesos. No caso brasileiro temos uma Presidência com poderes fortes escolhida num sistema eleitoral majoritário em dois turnos. Mas temos também uma Câmara eleita por voto proporcional de lista aberta em âmbito estadual.
Se o primeiro elemento dá feições plebiscitárias às grandes questões, o segundo tende a gerar um Legislativo fragmentado, que distribui poder de veto a vários atores, favorecendo um sistema de busca por consensos, que é reforçado pela existência e uma segunda casa legislativa e um Judiciário forte.
No frigir dos ovos, ficamos com um sistema que não prima pela eficiência administrativa. Presidentes, para o bem e para o mal, não conseguem impor suas agendas, sendo obrigados a negociar. Podem fazê-lo no atacado, dividindo ou poder, ou no varejo, distribuindo emendas e outros badulaques aos parlamentares.
EXEMPLO DE BOLSONARO – Quando Bolsonaro viu que não conseguiria governar “nos braços do povo” e poderia sofrer impeachment, se entregou a esse sistema, isto é, ao centrão.
O que me incomodou no livro é a veemência com que os autores afirmam que a democracia brasileira não correu riscos. Acho que aqui eles se deixaram levar pela hýbris acadêmica. Por valorizar tanto as instituições, eles menosprezaram o papel de outras forças capazes de afetar a história, como o acaso.
Se Bolsonaro tivesse convencido mais dois generais a dar um golpe “old style”, a história poderia ter sido outra.