ANTÓNIO LOBO ANTUNES
“Devo estar a ficar velho.
E no entanto, sem que me dê conta, ainda me acontece apalpar a algibeira à procura da fisga.
Ainda gostava de ter um canivete de madrepérola com sete lâminas, saca-rolhas, tesoura, abre-latas e chave de parafusos.
Ainda queria que o meu pai me comprasse na feira de Nelas, um espelhinho com a fotografia da Yvonne de Carlo, em traje de banho, do outro lado.
Ainda tenho vontade de escrever o meu nome depois de embaciar o vidro com o hálito.
Pensando bem (e digo isto ao espelho), não sou um senhor de idade que conservou o coração de menino.
Sou um menino cujo envelope se gastou.”