Deu em O Globo
Quando assumir, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva receberá governadores em romaria de pires na mão. Além dos “investimentos sociais” que levam o novo governo a tentar excluir despesas de quase R$ 200 bilhões do teto de gastos, além das promessas de reajuste real do salário mínimo, correção na tabela do Imposto de Renda e tantas outras, haverá pressão por mais despesas estaduais.
Os governadores foram vítimas da sanha eleitoreira do presidente Jair Bolsonaro, que cortou para 17% o ICMS cobrado sobre combustíveis, energia elétrica, comunicações e transportes. Com a receita combalida e as finanças em andrajos, eles tentarão ir à forra diante do novo governo.
PEDINDO LIMINARES – O corte de impostos gerou três meses de deflação artificial, não funcionou para reeleger Bolsonaro, e os estados, prejudicados, foram à Justiça em busca de liminares contra o que consideram um esbulho.
Uma coisa seria reduzir o ICMS como parte de uma reforma tributária abrangente. Outra, bem diferente, foi a decisão açodada, sob pressão do Planalto, para dar a Bolsonaro um trunfo eleitoral. Em dois meses de liminares, entre o final de junho, quando a redução entrou em vigor, e fins de agosto, os estados haviam deixado de pagar R$ 1,9 bilhão em compromissos financeiros à União, por ordem judicial, para compensar o corte.
A situação é precária e ainda depende de decisão final. Por isso os governadores manterão o pedido de compensação pelo ICMS não recolhido. Além disso, reivindicarão a revisão dos repasses determinados pela tabela de procedimentos médicos do SUS, congelada há anos.
ROLAR A DÍVIDA – Pleitearão ainda adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que garante condições melhores no pagamento da dívida com a União. Por fim, há também obras que dependem da liberação de recursos federais.
Mesmo estados que já estão no RRF ou cujo pedido de ajuda está em fase de análise — Rio Grande do Sul, Goiás, Minas e Rio de Janeiro — deverão propor renegociação dos termos. Lula terá de ouvir queixas de pelo menos dois governadores que apoiaram Bolsonaro: Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, e Romeu Zema (Novo), de Minas.
O Rio foi o primeiro estado a assinar acordo para entrar no RRF — e o primeiro a descumpri-lo. Comprometeu-se ainda em 2017 com uma gestão austera, adequada à situação fiscal do estado. Já no ano seguinte, a Assembleia Legislativa (Alerj) derrubou um veto a reajustes salariais para as categorias mais privilegiadas, funcionários do Judiciário e do Ministério Público.
PLANO B – Apenas em junho, com Bolsonaro no Planalto e Castro no Palácio Guanabara, o Rio firmou outro plano de socorro, beneficiado pela privatização da Cedae. É provável que Castro tente se aproximar de Lula em razão das novas pressões fiscais. O mesmo acontecerá com outros governadores, como Zema, que ainda negocia com a União a adesão ao RRF.
Com toda a pressão vinda dos estados, tem sido temerário o desdém do novo governo pela necessidade de austeridade fiscal, expresso na absurda PEC da Transição. Se aprovada, ela representará um aumento próximo a 2% do PIB nos gastos públicos sem nenhuma fonte de receita correspondente.
Lula pode muito bem achar que isso significará a retomada do “investimento social”. Na prática, porém, o resultado será o aumento explosivo na dívida pública, mais inflação e juros mais altos — portanto, menos crescimento e, desgraçadamente, mais miséria.