Pedro do Coutto
O presidente Lula da Silva necessita unificar a atuação dos ministérios que se encontram muito afastados uns dos outros e partir para ações concretas em favor da população brasileira nos moldes dos compromissos que assumiu ao longo de sua vitoriosa campanha eleitoral. Há, como acentuou muito bem Miriam Leitão, O Globo desta terça-feira, uma falta de sintonia que está conduzindo a erros não previstos pelos articuladores do Palácio do Planalto.
Agora mesmo, como observou diretamente Miriam Leitão, há uma contradição acentuada no que se refere às grandes empresas que realizaram delações premiadas comprometendo-se ao pagamento de multas ao Estado pelos prejuízos ocorridos. As multas não são pequenas, a exemplo do que desenvolvem nos bastidores para escapar dos comprometimentos firmados na Justiça. Estão nesse caso a Odebrecht, a JBS, a Camargo Corrêa, a OAS e a UTC.
AMPLIAÇÃO DA RECEITA – O projeto do ministro Fernando Haddad para a nova âncora ou arcabouço fiscal a mim parece que se situa mais na teoria e na vontade do que na realização prática. Ele deseja ampliar a receita deste ano numa escala de R$ 150 bilhões. Faz previsões, uma delas difícil de ser alcançada. Trata-se da tributação das apostas esportivas, que, é verdade, estão cada vez maiores, incentivadas por uma grande carga de publicidade nas emissoras de televisão.
Mas, como o Estado de S. Paulo revelou há um mês, a receita das apostas em 2022 somou R$ 12 bilhões. Qualquer incidência tributária sobre um volume tão pequeno em termos de país, não poderia fornecer recursos de alto valor. Haddad tem um projeto de fazer com que os que não paguem impostos passem a pagar. Mas para chegar a um resultado positivo, a medida tem que ser intensamente preparada, pois surgirão as resistências de sempre.
Haddad quer taxar também o contrabando praticado no país, inclusive o de lojas chinesas. Revela Natália Garcia, Folha de S.Paulo desta terça-feira, que o ministro Fernando Haddad considera que a Fazenda poderá obter até R$ 8 bilhões através da taxação de contrabando por meio de pequenas empresas chinesas. Trata-se de tributar as plataformas de varejo internacionais que driblam as regras da Receita Federal.
CONTRABANDO – O problema todo, disse Haddad, é o contrabando. “O comércio eletrônico é positivo para o país, mas temos que coibir o contrabando, pois está prejudicando as empresas brasileiras que pagam os impostos”, afirmou. Haddad, porém, ainda não relacionou as empresas que sonegam através do comércio eletrônico. Na taxação sobre apostas esportivas ocupando uma posição de destaque na publicidade, Haddad calculou a possibilidade de ser arrecadado de R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões. A meu ver, o cálculo é otimista, considerando-se que o movimento dessas posturas está se proliferando no país.
O titular da Fazenda calcula, por outro lado, que existam brechas legais permitindo atualmente que empresas jurídicas abatam do Imposto de Renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, volumes significativos de incentivos fiscais do ICMS concedidos pelos estados às empresas por despesas de custeio e não apenas em matéria dos investimentos.
A relação de pontos do projeto é grande, mas as dificuldades colocadas pelo panorama verdadeiro da política não são pequenas. Entretanto, temos que esperar o resultado de ações concretas e não nos deixarmos levar pelas indicações expostas pela teoria. Os problemas do país são muito grandes, incluindo o fato de que – reportagem de Douglas Gavras, Folha de S. Paulo – pesquisa do Datafolha, 23% dos brasileiros e brasileiras afirmam que a comida que possuem em suas casas é insuficiente.
TROCA-TROCA – Levantamento concluído pelo Datafolha – comentado ontem na Folha de S. Paulo por Igor Gielow – revela que 61% da opinião pública são contrários à política colocada em prática pelo governo Lula de oferecer a deputados e senadores cargos na Administração e verbas orçamentárias como moeda de troca pelos seus votos nos projetos e Medidas Provisórias que tramitam no Congresso Nacional. A prática é sempre condenada nas campanhas eleitorais, mas quando terminam as eleições e os governos assumem, a prática se repete.
Assim aconteceu com José Sarney, com Fernando Collor, com Itamar Franco (em escala menor), com Fernando Henrique Cardoso, com Lula, com Dilma Rousseff, com Michel Temer e com Bolsonaro, fase em que o Centrão firmou com força no Poder Legislativo. Diante desse quadro, fica evidente que Lula precisa atuar mais concretamente para cumprir seus compromissos e partir para uma divulgação efetiva com base nas ações e projetos de interesse coletivo, e não agir reflexivamente na resposta às críticas.
ENSINO MÉDIO – De grande impacto foi a decisão do ministro da Educação, Camilo Santana, de adiar a entrada em vigor da reforma do Ensino Médio no país. São mudanças que foram iniciadas em cerca de dois anos e que deram margem a controvérsias que agora surgem no governo Lula da Silva.
São alterações efetuadas no período do governo Michel Temer e que atravessaram os quatro anos da era Bolsonaro. O Ministério da Educação pretende também, em consequência, alterar a reforma do Enem, prevista para 2024. Uma série de dúvidas surgem em consequência da medida do MEC. O governo Lula está agindo sob pressão, portanto, reflexivamente. Ele tem que estabelecer o seu próprio ritmo de ação.