Marcus André Melo
Folha
O mito do Nordeste vermelho retornou à opinião pública; mas, como já discuti na coluna, não resiste às evidências. Vejamos: na região, o núcleo duro do chamado centrão (PL, PP, Republicanos), somado ao PSC e Patriotas, elegeu 35% dos deputados federais. As legendas de esquerda —PT, PSB, PC DO B, Verde, Rede, PSOL, Solidariedade— lograram eleger 33%.
O percentual regional de eleitos pelo PL, PP e Republicanos é similar ao nacional (36%). Assim, dois terços dos representantes do Nordeste na Câmara pertencem a legendas do núcleo duro do centrão, de centro ou centro direita, em uma classificação convencional.
CONTRADIÇÕES – Em Sergipe, no primeiro turno da eleição presidencial, Lula obteve quase dois terços dos votos. Mas nenhum candidato dos partidos de esquerda foi eleito; metade é do núcleo duro do centrão. Em Alagoas, a esquerda elegeu apenas 1/5 dos deputados, mesmo percentual encontrado no Rio Grande do Norte e no Maranhão. Em Pernambuco, o núcleo do centrão elegeu 1/3 dos deputados; a esquerda, 40%.
O que explica a incongruência de voto legislativo e nacional? Controlado por renda e lealdades identitárias (“Lula é nordestino”), o efeito ideológico do voto se dilui.
A chave é o chamado “efeito incumbente” no nível federal e estadual. A força centrípeta dos governadores nos estados pobres é o “fator confundidor”, que tem dado margem a interpretações de que teria havido realinhamento partidário à esquerda na região.
MÁQUINAS ESTADUAIS – O governador controla a máquina que alimenta as redes políticas locais. Para o eleitor pobre, a estratégia dominante é votar nos candidatos dessas redes, por sua capacidade de atrair investimentos e também pelo receio de ser excluído dos benefícios gerados por elas.
O caso do Maranhão é exemplar, mas a Bahia, pelo peso, é mais relevante — como analisam Jorge Alves e Wendy Hunter.
Os governadores da oposição beneficiaram-se por estar no cargo, mas chegaram ao poder através de alianças (derrotadas) nas eleições presidenciais de 2018, e agora, competem com o executivo federal e sua coalizão legislativa.
HOUVE MUDANÇAS – O pesquisador Fernando Meireles mostrou como, entre 2009 e 2016, os convênios federais com municípios beneficiavam o partido do presidente, o PT (mas não de sua coalizão de apoio). Mas, atualmente, o efeito incumbente federal foi anabolizado pelo orçamento secreto, entre outros fatores.
O mapa do voto reflete incentivos múltiplos —e não se reduz às identidades partidárias ou ideológicas. O eleitor é o árbitro de trade offs entre ganhos “federais” e “locais”.
O argumento acima explica por que Bolsonaro teve, em relação a 2018, ganhos muito maiores no Nordeste (16,5% na média) que em outras regiões.