Reportagem de Alice Cravo, Bruno Góes, Eduardo Gonçalves, Marlen Couto, Paula Ferreira e Jenifer Gularte, O Globo deste domingo, focaliza e destaca as divergências que começaram a transcorrer na frente ampla articulada pelo presidente eleito, Lula da Silva, voltada a assegurar a maioria do seu governo no Congresso. As divergências, como seria de supor, têm início na PEC do Orçamento, ponto que o próprio Lula considera fundamental para a sua decolagem.
Afinal, ele assumiu na campanha uma série de compromissos que para serem honrados dependem do Poder Legislativo. Divergência sempre existirão. É natural. Vem à lembrança uma frase de Oswaldo Aranha quando Getúlio Vargas, eleito em 1950, formava o seu ministério de experiência, o primeiro de sua administração. O ex-presidente da ONU e grande figura no alinhamento do Brasil contra o nazismo de Hitler e o fascismo de Mussolini afirmou: “Libertemos Getúlio”.
CAUTELA – As divergências no início do governo são comuns, mas hoje precisam ser superadas com cautela, uma vez que o fisiologismo cresceu muito ao longo dos 72 anos que separam a vitória de Vargas nas urnas da vitória de agora de Lula sobre Bolsonaro.
A preocupação com a Presidência da Câmara – daí o apoio à reeleição de Arthur Lira – é bastante sensível, pois, afinal de contas, Lula não só depende de Lira para a aprovação do novo teto orçamentário, como também não deseja repetir as dificuldades e o relacionamento entre Dilma Rousseff e Eduardo Cunha que terminaram com o impeachment da então presidente da República.
Lula, é claro, não teme, e nem há razões para isso, sofrer o impeachment logo no início de seu mandato. Mas o bom relacionamento é essencial para que problemas que surgirão, e na política surgem sempre, possam refletir negativamente na sua imagem junto à opinião pública.
DEMOCRACIA – A questão das divergências foi muito bem focalizada por Miriam Leitão em artigo publicado ontem no O Globo. São naturais na democracia e, no fundo da questão, digo, a vitória de Lula da Silva foi fundamental para a continuidade da democracia brasileira.
Foi essa opção na base da qual se voltou a maioria do eleitorado brasileiro. É preciso levar em conta, como dizia JK, que a política representa sobretudo a esperança, seja ela qual for. Mas será sempre a esperança que a sociedade alimenta para avançar e melhorar de vida. A esperança, entretanto, sem discutir o mérito da questão, não é apenas a do povo de modo geral.
É de todos, inclusive daqueles que desejam expandir seus negócios e seus lucros, concentrando ainda mais a já super concentrada renda no país. Assim, as divergências são naturais, mas o que não se pode fazer é com que a luta por consegui-las prejudique o sentido maior do legado que as urnas deixaram para a população.