Mônica Bergamo
Folha
Aos 80 anos, o ex-chanceler Celso Amorim é o diplomata com mais vasta experiência em atividade no Brasil. É também o mais próximo de Lula (PT), que o escolheu para ser assessor especial com a tarefa de representar o próprio presidente em delicadas missões internacionais.
Amorim comandou o Ministério das Relações Exteriores no governo de Itamar Franco, entre 1993 e 1995, ocupou o mesmo cargo nos dois primeiros mandatos de Lula na Presidência da República, e foi ministro da Defesa de Dilma Roussef (PT).
Nesta entrevista, ele defende a posição de Lula sobre a guerra da Ucrânia e afirma que as ressalvas do mandatário não são apenas à posição dos EUA e da União Europeia em relação ao conflito. Diz que críticas já foram feitas em alto e bom som à Rússia, que invadiu o país vizinho, e que o Brasil até mesmo acompanhou as nações ocidentais em uma condenação ao ato na ONU.
Lula está falando verdades inconvenientes, ou está repetindo o que interessa a China e Rússia?
Eu não vou entrar em polêmica com o assessor de imprensa lá da Casa Branca. Deixa ele pensar o que ele quiser. Mas, na realidade, a posição do presidente Lula é muito clara: é uma defesa dos interesses brasileiros e da percepção brasileira em relação ao mundo. É a defesa de um mundo multipolar, que tem a ver, inclusive, com a questão da dolarização ou da desdolarização de parte das relações econômicas. E tem a ver também com a busca de um equilíbrio no mundo, contribuir para que ele seja mais equilibrado. Com relação, especificamente, à guerra, a nossa busca é pela paz. O presidente Lula verbalizou crítica à ação russa de invadir a Ucrânia. O Brasil defende o princípio da integridade territorial dos Estados. Não há dúvida sobre isso.
Lula repetiu as críticas ao chanceler russo Sergei Lavrov, com quem esteve na segunda-feira?
Vamos colocar em perspectiva: o chanceler russo não veio ao Brasil como um emissário [do presidente russo Vladimir Putin. O anfitrião dele foi o ministro Mauro Vieira [das Relações Exteriores]. Os dois conversaram amplamente, e o que eles disseram depois foi divulgado à imprensa. O encontro do chanceler russo com o presidente [Lula] foi uma visita de cortesia.
Por que há uma percepção, do senhor e do presidente Lula, de que os EUA e a União Europeia não buscam a paz nesse momento?
Há declarações específicas de autoridades dos EUA e de países europeus, do tipo “temos que derrotar a Rússia” ou “temos que debilitar a Rússia”. Isso tem variado ao longo do tempo. Agora, dentro da concepção de que a Rússia errou, a nossa posição é a de fazer com que os países conversem. A guerra não é uma solução nem para a Rússia nem para a Ucrânia. Essa é a questão do Brasil. Ao apenas trabalhar para fortalecer militarmente um lado ou para, digamos, impor sanções ao outro, não se contribui para a paz. Não se contribui para a conversa, não se cria um clima favorável à busca de negociações. E acabam, voluntária ou involuntariamente, contribuindo para o prolongamento da guerra.
Parte da imprensa dos EUA diz que a ambição do Brasil de negociar o fim da guerra e a paz é ingênua, não está ao alcance do nosso país.
Eu não creio que haja ingenuidade. O que há é boa-fé nas nossas ações, na busca da paz. Há uma clareza muito grande de que não é o Brasil que vai fazer a paz. Tem que ser um grupo de países. Releia a declaração conjunta do presidente Lula e do presidente da China, Xi Jinping, que fala que os dois países apoiam os movimentos todos para a paz e convida outros países a se juntarem a esse esforço. Claramente não é uma coisa que o presidente Lula fará sozinho. Ocorre que, neste caso, a União Europeia adotou um partido. Eu não estou dizendo que ela está errada em criticar a ação específica [da Rússia contra a Ucrânia]. Mas você tem que fazer isso de uma maneira que não impossibilite a paz. O que você quer? Uma vingança? Nós achamos que não é por aí.
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Fica claro que a política pró- Rússia e China não é apenas do Lula, mas do próprio governo e do Itamaraty.