Pedro do Coutto
O Supremo Tribunal Federal, na quinta-feira, autorizou os bancos a iniciarem processos de retomada de imóveis dados como garantia a financiamentos cujas prestações encontram-se em atraso. A relação dos devedores é muito grande com a interrupção do pagamento das prestações em atraso. Os bancos, entretanto, dificilmente irão utilizar de forma concreta a absorção de imóveis porque isso implicaria, como é claro, na interrupção absoluta dos pagamentos mensais. E nada acrescentaria aos bancos formarem um patrimônio imobiliário decorrente da falta de pagamentos.
A decisão fará com que devedores que possuem recursos para pagar as prestações voltem a fazê-lo. Mas nem todos os casos são assim. A maioria dos inadimplentes não têm condições efetivas para cumprir seus compromissos em dia. E há também que distinguir entre os prazos de atrasos se pequenos, médios ou grandes. Essa situação levará a negociações que se assemelham àquelas que marcam a operação desenrola, bancada, no fundo, pelo governo para livrar um número enorme de devedores das consequências naturais da falta de pagamentos.
EFEITO – Psicologicamente o efeito já está sendo muito grande. Mas os bancos esbarram também no reflexo junto à opinião pública na hipótese da expropriação, sem novas decisões judiciais, na forma como foi decidido pela Corte Suprema. Reportagem de José Marques, Folha de S. Paulo, e de Daniel Gullino e Letícia Lopes, O Globo, edições de ontem, focalizam amplamente o assunto. E as repercussões já se fazem sentir, começando a deslocar a solução do problema para a área do governo Lula da Silva.
Se o Ministério da Fazenda entrou em ação para resgatar dívidas pequenas de 74 milhões de pessoas, fica implícito que com uma grande dose de razão, se sentirá obrigado a evitar milhares de casos de despejo que levariam a um agravamento enorme da crise social do país. A decisão foi com base numa lei que permite a operação radical (tomada do imóvel), ultrapassando o caráter sócio-econômico da medida.
Se grande parte da população brasileira não tem certeza à noite se terá como se alimentar no dia seguinte, fica claro que a ameaça adicional da perda da própria residência será um fator de pânico junto às classes de menor renda, embora a inadimplência se verifique também nos segmentos de renda mais alta, não só nos financiamentos imobiliários, mas, sobretudo, isso sim, nos financiamentos empresariais.
DÉBITOS – Quem duvida de tal afirmação pode consultar, por exemplo, o que ocorre há muitos anos no BNDES, na Caixa Econômica Federal e no Banco do Brasil. Os grandes devedores retém débitos infinitamente superiores aos das pessoas comuns, principalmente em épocas de desemprego, de juros altos e de salários baixos, reduzidos cada vez mais pela perda na corrida contra a inflação, mesmo a do IBGE.
A decisão do STF, na realidade, criou um problema enorme para o governo Lula porque os grupos mais atingidos dos segmentos pobres recorrerão a ele para escapar das ameaças e das consequências pela perda de suas residências. Por esse aspecto, espanta a decisão da Suprema Corte.