Andreza Matais e Vera Rosa
Estadão
A desconfiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a atuação das Forças Armadas é vista na caserna como um pedido de divórcio litigioso. Embora a relação entre Lula, o PT e os militares nunca tenha sido boa, deteriorando-se ainda mais no governo de Dilma Rousseff, a invasão de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto, ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF) por pouco não fez com que o antigo estremecimento virasse ruptura.
Em conversas reservadas, conselheiros de Lula com trânsito nas Forças Armadas dizem que a hora é de virar a página, e não de promover “caça às bruxas”.
NÃO É ANISTIA – Esses interlocutores argumentam que isso não significa o arquivamento de punições aos atos de vandalismo praticados no domingo, 8, na Praça dos Três Poderes.
Ao contrário: na visão de ex-ministros da Defesa, como Nelson Jobim, Raul Jungmann e Aldo Rebello, as penas para quem cometeu crimes precisam ser duras e exemplares, mas o discurso de Lula deve promover o distensionamento.
A pressão da cúpula do PT para Lula demitir o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, contraria as Forças Armadas, que hoje o veem como único nome capaz de apaziguar a relação dos militares com o Planalto.
EFEITO MÚCIO – Se antes a caserna encarava o político Múcio com pé atrás, hoje ele virou uma espécie de fiador da estabilidade. A portas fechadas, oficiais dizem que a eventual saída de Múcio pode agravar a crise.
Três generais ouvidos pelo Estadão, sob a condição de anonimato, também mostraram preocupação com a insistência do PT em mudar o currículo das academias militares para introduzir ali temas referentes a direitos humanos. Além disso, o partido quer que a expressão “revolução de 1964″ seja substituída por “golpe” no material escolar.
As Forças Armadas não aceitam, ainda, a criação de uma moeda comum do Mercosul. A discussão já provocou ruídos. O governo alega que a ideia não diz respeito à adoção de uma cédula única, como o euro. As conversas giram em torno da possibilidade de se estabelecer uma moeda comum, que seria usada em negociações comerciais entre integrantes do bloco sul-americano. Mesmo assim, militares acham que a proposta fere a soberania nacional.
CASO PAZUELLO – As queixas não param aí. Há um mal-estar na caserna com o possível levantamento de sigilo do processo administrativo aberto pelo Exército contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.
A Controladoria Geral da União (CGU) deve determinar a divulgação, na íntegra, do processo que apurou a participação de Pazuello – hoje deputado federal eleito – em ato político no Rio, em 2021.
A tendência do governo de autorizar a abertura desse sigilo é encarada pelas Forças Armadas como sinal de que existe um “terceiro turno” em vigor, com consequências imprevisíveis para o País.
RECADO DO DINO – “Pelo amor de Deus, acabou a eleição de 2022. Entendam definitivamente isso”, pediu nesta sexta-feira, 13, o ministro da Justiça, Flávio Dino, mandando recado para radicais bolsonaristas que não aceitam o resultado das urnas.
Na prática, desde que Dilma abriu a Comissão da Verdade, em 2011, para investigar abusos cometidos contra direitos humanos na ditadura, o relacionamento dos militares com o PT parece caminhar para um acerto de contas. Agora, o retorno da presidente cassada em cerimônias do novo governo é motivo de desconforto entre oficiais de alta patente, que temem sua influência sobre Lula.
POSSE DO “BESSIAS” – No último dia 2, por exemplo, Dilma discursou na posse do advogado-geral da União, Jorge Messias, no Planalto. Em 2016, quando era subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Messias ganhou notoriedade após o então juiz Sérgio Moro, atualmente senador eleito, tirar o sigilo de uma interceptação telefônica que o citava.
Na conversa grampeada, Dilma dizia a Lula que “Bessias” estava levando a ele o termo de posse na Casa Civil, para assinar em caso de necessidade. O áudio levou o ministro do Supremo Gilmar Mendes a suspender a nomeação de Lula. Pouco tempo depois, Dilma sofreu impeachment.
Passaram-se seis anos desde então, mas a relação entre Lula, PT e Forças Armadas dá sinais cada vez mais claros de desgaste, que muitos consideram intransponível.
ANTIMILITARISMO – O endurecimento do presidente com os militares, após as depredações de domingo, foi comemorado pela cúpula do partido e visto com apreensão na caserna. “As Forças Armadas não são poder moderador, como pensam que são”, disse Lula em café da manhã com jornalistas, nesta quinta-feira, 12.
Sem fazer distinções, o presidente admitiu não querer a seu lado nem mesmo ajudantes-de-ordem militares, por absoluta falta de confiança.
Além disso, dirigentes do PT não param de “fritar” Múcio. Alegam que ele jamais poderia ter chamado os acampamentos de bolsonaristas em frente aos quartéis de “democráticos” nem dito possuir parentes naqueles protestos. Ali ficou evidente a cisão dentro do governo. Para Flávio Dino, as aglomerações diante dos Q.Gs eram “incubadoras de terroristas”.
VERSÃO DE LULA – Na avaliação de Lula, o Exército agiu no domingo apenas para proteger militares da reserva e suas famílias, que se instalaram diante do Q.G de Brasília, pedindo intervenção militar. Em novembro, a filha do general Eduardo Villas-Bôas, ex-comandante do Exército, chegou a postar nas redes sociais uma foto da mãe, Maria Aparecida, naquele acampamento.
Lula não tem dúvida de que havia um golpe em curso, uma conspiração para derrubá-lo, e já avisou que irá “até o fim” das investigações.
A minuta de um decreto para Bolsonaro instaurar estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral e reverter o resultado das eleições serviu para respaldar a suspeita do governo. O presidente está convencido de que militares facilitaram a entrada de vândalos no Planalto e foram coniventes com o quebra-quebra. Com todos sob desconfiança, o clima ainda é de tensão e o papel de Múcio tem sido descrito como o de “um algodão entre cristais”.
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Excelente matéria. Mostra que todos cuidado é pouco. Mas quem se interessa. Lula é um quadrúpede e vai continuar alfinetando os militares. Para quê? Ora, para nada, como diria Carlos Chagas, citando Cervantes e os Cavaleiros de Granada.