
Dora Kramer
Folha

À primeira vista, Luiz Inácio da Silva (PT) parece ter decidido virar o leme do governo mais à esquerda, com Gleisi Hoffmann (PT) na articulação política, reaproximação com o MST e rumores da ida de Guilherme Boulos (PSOL) para o ministério.
Apesar das evidências, talvez esse não seja o único movimento no radar do presidente. Convém não subestimar seu tirocínio político nem dar barato que a idade e uma paixão outonal tenham exclusividade sobre os modos de direção do Lula 3.
VAMOS DEVAGAR – A precipitação não é boa conselheira no exercício de análises, bem como configura-se imprudente a compra de atos e palavras de políticos pela aparência. Nem sempre —ou quase nunca— dizem o que pretendem de fato. Melhor examinar suas intenções no contexto do que lhes é conveniente.
É de se perguntar a que conveniência do presidente tal guinada à esquerda atenderia. Fala-se na decisão de reforçar o próprio campo a fim de evitar defecções e garantir os seus. A isso corresponderia a desistência de manter as pontes com o centrão de partidos formalmente aliados que na hora do aperto se comportam como adversários.
Nessa perspectiva, Lula estaria disposto a deixar de lado o projeto de amarrar com eles compromissos eleitorais para 2026, cuja firmeza é a de uma corda para lá de bamba. Passaria, assim, a tratar a oposição como oposição. Equivaleria à explosão final da frente ampla. Nada disso é por ora útil ao presidente.
LEVAR VANTAGEM – E, se tem uma coisa que Lula sabe fazer, é olhar para o que lhe é vantajoso. Como dar protagonismo ao face de tucano Geraldo Alckmin (PSB) e ver candidatos à presidência do PT de perfil conciliador, o que deve mudar o tom crítico do partido em relação ao bom senso.
Aguardemos, pois, os movimentos desta semana que agora se inicia. Se o presidente fizer gestos ao centro e à direita na complementação da reforma ministerial como esperado, terá feito jus ao celebrado traquejo nas lides da política.
Caso contrário, não poderá dizer que a cigana o enganou quanto à escolha do destino infausto.
