Eduardo Affonso
O Globo
Já se pode comemorar muita coisa, de domingo para cá. Marina Silva cuidando do Meio Ambiente, em vez de Salles e sua boiada, por exemplo. Ou a esfuziante Margareth Menezes na gestão da Cultura, até outro dia a cargo de um álgido Mário Frias.
Foi bonito ver Raoni subindo a rampa e “o povo” — ali representado pelo venerando cacique, por uma criança de periferia, uma catadora de recicláveis, um operário, um professor, uma cozinheira, um artesão, um ativista anticapacitista — fazendo a passagem da faixa no lugar do capitão fujão. Sem falar na irresistível vira-lata Rê (difícil supor que ela seja tratada, na intimidade, pelo seu nome panfletário: “Senta, Resistência”, “Não pula, Resistência”, “No sofá, não, Resistência!”).
OUTROS FATORES – Uma economia verde e sustentável, como proposta por Alckmin, é auspiciosa. Assim como a luta contra o preconceito, a exclusão e a invisibilidade social (“Vocês [todos] existem e são valiosos para nós”, nas palavras do ministro dos Direitos Humanos).
Ter esperança nas boas intenções está liberado — afinal, o governo já começou com força total. Entretanto, se o assunto forem os maus presságios, a coisa muda de figura: é cedo demais para crítica, “espera o governo começar!”.
Este governo deu a largada em dezembro, com o atentado à Lei das Estatais para permitir o aparelhamento do BNDES, da Petrobras e sabe-se lá do que mais. Inventou-se a quarentena pro forma (poderia ser de 40 minutos: não faria diferença, e ainda haveria um afago na etimologia).
DISFARÇADA NOSTALGIA – Qualquer reparo que se bote no negacionismo econômico, na prestidigitação fiscal, na alteração do Marco Legal do Saneamento, no boicote à reforma da Previdência ou nas restrições à liberdade de expressão tem sido encarado como prematuro e ressentido — uma mal disfarçada nostalgia do recém-finado fascismo Porcina (aquele que foi sem nunca ter sido).
O país não precisa de uma Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia ou de uma Secretaria de Políticas Digitais para coibir desinformação e discurso de ódio. Desinformação se combate com informação; para todas as outras coisas, existem os Códigos Civil e Penal — e a Constituição. Lembrando Vincenzo Gioberti: “Os maiores inimigos da liberdade não são os que a oprimem, mas os que a deturpam”.
Não há como comparar Nísia Trindade a Eduardo Pazuello, Silvio Almeida a Damares Alves, Camilo Santana a Ricardo Vélez, Abraham Weintraub ou Milton Ribeiro. Nem Simone Tebet a quem quer que seja do “antigo regime”.
E OS OUTROS? – Porém — ah, porém! — existem Rui Costa, investigado por fraude na compra de respiradores e financiamento ilegal de campanha; Carlos Lupi, que só sairia do governo Dilma “abatido à bala”, mas economizou munição e caiu por denúncias de corrupção; Waldez Góes e as acusações de desvio de recursos públicos; Daniela do Waguinho e a camaradagem com a milícia.
O governo Lula precisa dar certo, para que nunca mais haja outro Bolsonaro. E, se der mesmo certo, é porque terá passado ao largo do receituário petista — o que nos provará a desnecessidade de outro governo do PT.
Não, nunca é cedo para criticar. Se tiver de esperar o fiasco consumado, aí será tarde demais.