Sebastião Nery
Na manhã da convenção da UDN para lançar a candidatura de Jânio Quadros à presidência da Republica (8 de novembro de 1959), contra Juracy Magalhães, até há pouco presidente do partido, conta Carlos Lacerda em suas memórias, Jânio chamou Lacerda à suíte do hotel Gloria, no Rio, onde estava hospedado, já lançado candidato pelo PL, PDC e PTN:
– Carlos, não aguento essa sua UDN. Não aguento mais o que vem me dizer o Afonso Arinos, as condições que querem me impor.
– Jânio, não é bem assim. Você vai ganhar a convenção.
– Não, não e não!
Afonso Arinos, que estava com outros dirigentes da UDN na sala da suíte, empurrou a porta:
– Governador, nós já vamos à convenção para começar os trabalhos e daqui a pouco uma comissão virá busca-lo.
– É engano seu, senador. Não sou mais candidato. Quero lhe pedir o obséquio de ser o meu porta-voz, porque não quero comprometer o Carlos, que já se comprometeu demais, coitado, com a minha candidatura.
Afonso Arinos quase teve um treco:
– E agora?
Lacerda entendeu o golpe:
– Ô Jânio, parece-me que você não quer se atrelar só a uma candidatura udenista à vice-presidência. Não é isso? (Havia Leandro Maciel, da UDN, e Fernando Ferrari, do MTR).
– Talvez. Não é só isso. Mas talvez seja também isso.
– Bem, Jânio, não tenho condições de liberta-lo de compromissos. Mas, se vou aceitar sua candidatura pela UDN, PL, PDC, PTN, PR e não sei mais o que, você realmente não depende de ninguém.
– Está bem. Faço o sacrifício.
Foi para a convenção e teve 205 votos, contra 85 de Juracy. Já estava treinando para a renúncia.
Padre Giordani, vereador do PDC e coordenador da campanha de Jânio em Caxias, no Rio Grande do Sul, preparou um comício para a noite, na praça da cidade, e convidou a população para saudar o candidato nas ruas, às seis da tarde, logo depois da chegada dele ao aeroporto.
No aeroporto, um carro aberto esperava o candidato para a entrada triunfal na cidade. Jânio ficou irado:
– Nada disso, senhor padre! Quero um carro pequeno e fechado. Vou direto daqui para o hotel, por ruas ínvias, onde ninguém me veja, sem passar pelo centro. Tu-do-mui-to rá-pi-do.
– E o povo, presidente?
– O povo? Quem conhece o povo sou eu, senhor padre. Nas faces e na alma. O povo quer mais me ver do que me ouvir. Pois, se quer me ver, que vá também me ouvir, no comício, à noite. Ver-me-á e ouvir-me-á.
Oito da noite, Caxias estava toda na praça. Vendo e ouvindo Jânio.
Aluísio Campos, advogado, economista, fazendeiro, empresário muito rico na Paraíba, foi do Banco do Nordeste, da Sudene e duas vezes deputado estadual pelo Partido Socialista. Duas vezes candidato a senador pela Arena, perdeu as duas vezes para Rui Carneiro, do MDB. Depois, elegeu-se duas vezes deputado federal pelo PMDB.
Em 66, João Agripino, governador, encarregou os arenistas Ivan Machado e Osvaldo Trigueiro do Vale de coordenarem em João Pessoa a campanha ao Senado de Aluisio, que era de Campina Grande. Já perto das eleições, planejaram uma grande concentração popular no bairro da Torre, onde ele faria o pronunciamento final. Ivan e Osvaldo se desdobraram.
No dia do comício, nove da noite, o governador João Agripino e Aluísio foram para o bairro da Torre.Uma decepção. Palanque, luzes, escola de samba, tudo lá. Mas, povo, quase nenhum. Aluísio chamou Osvaldo:
– Tudo bem, Osvaldo?
– Tudo bem, senador. Tudo arrumado, como o senhor mandou.
– Mas, e o povo, Osvaldo?
– Ora, doutor, eu armei o palanque, providenciei a iluminação, consegui a escola de samba, fiz os convites aos oradores. Agora, se, alem de tudo isso, ainda tivesse de trazer o povo, o candidato era eu.
Não houve comício. Nem eleição de Aluísio.
José João Botelho deputado federal do Pará no Rio (46 a 51), passou muito tempo sem ir a Belém. Voltou candidato a prefeito da capital. Um dia inteiro anunciou o primeiro comício, à noite, na praça Brasil. Chegou lá, não havia ninguém. Imaginou um engano, perguntou ao assessor.
– Não houve engano nenhum, deputado. A praça é esta mesma.
Botelho foi ao bar mais próximo, pediu dois caixotes de madeira, pôs no centro da praça, subiu e passou a gritar, como um alucinado:
– Socooooooorrro! Socoooooorrrrro!
Correu gente de todo lado para ver o que era.Com a plateia, ele começou:
– Socorro para um candidato…
E fez o comício. Não se elegeu, mas fez o comício.