
Julio Wiziack
Folha

Ex-ministro da Fazenda Henrique Meireles
A vitória de Donald Trump nos EUA não preocupa mais do que o ajuste fiscal necessário para conter o avanço da dívida pública brasileira. Para Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda de Michel Temer e ex-presidente do Banco Central no governo Lula (2003-2011), a turbulência no câmbio gerada pelo retorno de Trump não preocupa tanto quanto a projeção do aumento da dívida.
Nos últimos dez anos, a dívida pública saltou de R$ 2,7 trilhões, 53,7% do PIB, para R$ 8 trilhões, o 74,4%. Cálculos da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado indicam que ela pode romper a barreira de 80% do PIB neste ano.
PROBLEMAS – “O país não vai conseguir conviver com esse déficit sem ter problema econômico lá na frente”, disse Meirelles em entrevista ao Painel S.A.
O ex-ministro da Fazenda considera que haverá barreiras tarifárias erguidas por Trump a importados como forma de reverter a desindustrialização. Nesse processo, acha difícil que o Brasil seja prejudicado.
“No caso da desindustrialização americana, ele quer arrebentar. Isso afeta mais os países da Ásia. O alvo maior dele é a China. Agora, o Brasil exporta preferencialmente commodities. Até que ponto vai querer produzir café nos EUA? Na soja, eles são produtores. Mas o aumento da capacidade de produção lá pode gerar pressão inflacionária. É difícil”, disse.
ALTA DO DÓLAR – Para Meirelles, a valorização do dólar logo após a vitória é esperada e reflete ainda uma aposta de investidores de que será mais seguro investir em títulos dos EUA do que de emergentes, uma situação que tende a se acomodar à medida que seu governo tiver início.
“O dólar subiu contra alguns países e foi só isso. É uma pressão de curto prazo. Temos de ver como isso se acomoda.”
A alta do dólar é um problema menor perto do avanço da dívida pública.
DÍVIDA PÚBLICA – “O problema é a dívida pública continuar subindo com esse tipo de déficit [fiscal]. Vai chegar num momento que ficará insustentável. O primeiro problema, a alta do dólar no curto prazo, coloca uma pressão de percepção de curto prazo, de impacto na inflação, taxa de juros etc. Agora, o mais importante, e tem que resolver, é a trajetória da dívida. O país não vai conseguir conviver com esse déficit sem ter problema econômico lá na frente.”
Para ele, a condução da economia pela equipe de Fernando Haddad (ministro da Fazenda) “não é excepcional, nem ruim”, mas conseguem equilibrar a pressão do PT, de um lado, e, de outro lado, com o que precisa ser feito.
“Não dá. Tem que enfrentar [corte de gastos]. Acho que Haddad e Simone Tebet [ministra do Planejamento] estão certos. Tem que ser logo [o anúncio do pacote].”
UM MINUTO POR FAVOR – Enfim, aparece alguém preocupado com a dívida pública. Infelizmente, no Brasil a irresponsabilidade reina, junto com a impunidade e a imunidade. Temos todos os motivos do mundo para sermos pessimistas, e Trump nada tem a ver com isso.
