Clarice Camargo
Por um tempo, fui vizinho de um médico cujo hobby era plantar árvores no vasto quintal de sua casa. Da minha janela, eu o observava diariamente, dedicando-se à tarefa de plantar com paciência e afinco. No entanto, algo me intrigava: ele nunca regava as árvores. Minha curiosidade cresceu tanto que, um dia, resolvi perguntar.
Ele me explicou algo que nunca havia considerado: se ele regasse suas árvores constantemente, as raízes permaneceriam na superfície, acomodadas, esperando pela água fácil. Mas ao não regá-las, as árvores eram forçadas a lutar, a buscar a vida nas profundezas do solo. Esse processo tornava as raízes mais fortes, mais profundas, ligadas às camadas ricas e duradouras da terra.
“Elas demoram mais a crescer”, disse ele, “mas quando o fazem, tornam-se incrivelmente resistentes.”
Anos depois, quando voltei à minha antiga casa, vi que seu sonho havia se realizado. O que antes era um quintal com mudas havia se transformado em uma bela floresta. As árvores que plantou com tanta dedicação agora se erguiam imponentes, com raízes profundas e uma força que desafiava as condições mais adversas.
Então, um dia de inverno rigoroso chegou. Ventos fortes sopravam por toda a cidade, dobrando e derrubando muitas árvores. Mas as árvores do meu vizinho mal se mexiam. Resistiam, firmes, enquanto outras ao redor caíam. Elas haviam sido forjadas pela escassez, pela luta silenciosa e constante em busca de recursos escondidos, muito além do que era fácil e acessível.
Naquela noite, enquanto observava meus filhos antes de dormir, compreendi algo fundamental. Muitas vezes, pedimos que a vida nos trate com facilidade, que os desafios sejam leves. Mas o que realmente deveríamos pedir é que em nosso interior, raízes fortes e profundas se formem, para que quando as tempestades inevitáveis da vida nos atinjam, tenhamos a capacidade de resistir. Pois, assim como as árvores do meu vizinho, não seremos derrubados, mas nos tornaremos ainda mais firmes, enraizados na essência da nossa força.