Carlos Newton
Haddad tem boa intenção, mas está no governo errado
Faz tempo que não se ouviam tantas gargalhadas na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Foi na semana passada, quando a mídia e as redes sociais divulgaram a notícia de que o governo vai estabelecer limites aos supersalários no setor público, como uma das medidas em estudo no governo e que serão encaminhadas ao presidente Lula da Silva.
Não se trata de fake news, nada disso. A importante informação não pretende sabotar o governo nem destruir a democracia, o ministro Alexandre de Moraes pode até dormir tranquilo, se é que ele consegue. Trata-se de uma notícia oficial, divulgada pelo próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que até então não havia revelado seus dotes humorísticos.
ESTRANHEZA – Esse tipo de procedimento contra supersalários jamais constou em programa de partido político de porte nem em campanha de candidato com chance, por isso a notícia causou muita estranheza e descrédito.
Enquanto as elites do funcionalismo caíam na risada e espalhavam a Piada do Ano, tipo “sabem da última?”, os jornalistas ficaram atônitos e foram buscar confirmação. E conseguiram.
Um integrante da equipe econômica confirmou à Folha que a ideia é buscar um acordo no Congresso para aprovação do projeto de lei que regulamenta os supersalários e limita a poucas exceções o pagamento fora do teto remuneratório do funcionalismo, que tem como base o salário dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), atualmente em R$ 44 mil.
MEIA VERDADE – Era tudo verdade, o ministro Fernando Haddad não estava de brincadeira, e todos o brasileiros de boa vontade têm obrigação de apoiá-lo nessa guerra insana do rochedo contra o mar. Com essa disposição de enfrentar os mais poderosos inimigos do povo, o chefe da equipe econômica não percebe que está sozinho nessa briga.
Ninguém o ajudará nessa empreitada, especialmente Lula, que foi tirado da cadeia e ganhou uma ficha limpa justamente para servir a essa elite do funcionalismo civil e militar, que corre em dobradinha com as elites empresariais do poder econômico.
É lugar comum dizer que o Brasil é o país da corrupção e da impunidade, mas essas distorções só ocorrem quando as elites funcionais e empresariais entram em acordo, para se beneficiarem desviando recursos públicos.
SEM NEGÓCIO – Repetindo: a corrupção só acontece quando essas duas elites se entendem, digamos assim. Quando uma delas diz não, a negociata cai por terra. Assim, Haddad cometeu um ato falho, ao anunciar uma iniciativa do governo que não acontecerá.
Os supersalários são absolutamente inconstitucionais, a pretexto de constituírem “direito adquirido” ou outras embromações aparentemente judiciais.
A culpa é toda do Supremo, cujos ministros, envergonhados ao garantir la dolce vita dos operadores do direito, tiveram que estendê-la aos demais servidores civis e militares.
DEU ERRADO – Na Constituinte, houve um esforço enorme para reduzir os supersalários. Para garantir que isso de fato aconteceria, os parlamentares aprovaram as restrições em dois dispositivos diferentes. Um deles foi o art. 17 das Disposições Transitórias, que deveria ser lido em toda reunião ministerial.
“Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.”
O texto e claríssimo e foi revisado por Celso Cunha, da Academia Brasileira de Letras, e dois lexicólogos contratados por Dr. Ulysses Guimarães.
P.S. – E os penduricalhos? Como surgiram? Ora, foram sendo inventados pela elite dos servidores e depois legalizados pelo Supremo, que os reinterpretou com invulgar criatividade. Aliás, o Supremo brasileiro faz a merecer o Oscar de Efeitos Especiais justamente pela consagração desses penduricalhos, que seriam motivo de escárnio em qualquer país minimamente civilizado.