Nathalia Garcia, Thaísa Oliveira e Renato Machado
Folha
Os beneficiários do Bolsa Família que fazem apostas esportivas online gastaram R$ 3 bilhões em bets via Pix no mês de agosto, segundo uma análise técnica feita pelo Banco Central. O montante destinado às empresas de apostas corresponde a 20% do valor total repassado pelo programa no mês. No total, de acordo com o Banco Central, foram identificados R$ 21,1 bilhões em apostas em agosto via Pix (levando em conta todos os apostadores e bets que o Banco Central conseguiu identificar).
Dos 20 milhões de beneficiários, 5 milhões fizeram apostas no mês passado. Na mediana, o valor gasto por pessoa foi de R$ 100. Desse total de apostadores, 70% são chefes de família, ou seja, quem de fato recebe o dinheiro transferido pelo governo. O grupo enviou R$ 2 bilhões por meio do Pix às bets em agosto.
PODE SER MAIS – Os dados consideram apenas os recursos pagos pelos apostadores utilizando o sistema de pagamentos instantâneos do BC e não contabilizam desembolsos realizados por outros meios, como cartões de débito ou crédito. Isso significa que as cifras podem ser ainda mais elevadas.
A nota técnica do BC também não contabiliza eventuais prêmios sacados pelos apostadores, mas especialistas alertam que as apostas podem resultar em perdas frequentes, comprometendo o orçamento familiar, especialmente das famílias de baixa renda.
“Para identificar as pessoas em grande vulnerabilidade financeira, utilizou-se a informação de beneficiários do PBF [Programa Bolsa Família] existente em dezembro de 2023. Cerca de 17% desses cadastrados apostaram no período. A proporção de apostadores é praticamente a mesma quando se examina apenas quem de fato recebe o benefício governamental, os chefes de família”, diz trecho da nota.
INADIMPLÊNCIA – Na manhã desta terça-feira (24), o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que houve uma piora na inadimplência que poderia ser explicada pela popularidade das bets. Em agosto, o Bolsa Família repassou R$ 14,1 bilhões para mais de 20 milhões de beneficiários. O valor médio por família pago no mês foi de R$ 681,09.
“Não é um trabalho do Banco Central olhar as bets, mas há uma preocupação. O que a gente tem feito é tentar ajudar o governo e o Congresso com os dados que a gente tem. Uma coisa que tem gerado preocupação na ponta é que o crescimento é muito grande”, disse.
A análise do BC foi solicitada pelo senador Omar Aziz (PSD-AM). Como mostrou a Folha, o parlamentar acionou a PGR (Procuradoria-Geral da República) para tentar tirar do ar os sites de apostas esportivas, como as bets, até que as empresas sejam completamente regulamentadas pelo governo federal.
BAIXA RENDA – “Esses resultados estão em linha com outros levantamentos que apontam as famílias de baixa renda como as mais prejudicadas pela atividade das apostas esportivas. É razoável supor que o apelo comercial do enriquecimento por meio de apostas seja mais atraente para quem está em situação de vulnerabilidade financeira”, afirma o Banco Central.
De acordo com o levantamento, cerca de 24 milhões de pessoas físicas participaram de jogos de azar e apostas, realizando ao menos uma transferência via Pix para essas empresas em agosto.
Ao longo deste ano, os valores mensais de transferência bruta para bets variaram entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões. “Com base nas transferências que são feitas dessas empresas para pessoas físicas, estimamos que aproximadamente 15% do que é apostado seja retido pelas empresas, com o restante distribuído aos ganhadores a título de prêmio”, afirma a nota.
UM MINUTO POR FAVOR: – Reina a esculhambação. As apostas nas bets foram aceitas sem que antes fizessem a regulamentação desse mercado de apostas. Recentemente, o governo proibiu o uso de cartão de crédito em apostas de alíquota fixa, que englobam apostas esportivas (as chamadas bets) e jogos online. Também definiu que não serão aceitos pagamentos em dinheiro, boletos, cheques, criptoativos ou outras formas alternativas de depósito que possam dificultar a identificação da origem dos recursos, mas a proibição só começa a vigorar em janeiro de 2025. Preocupada com a inadimplência, a Federação dos Bancos quer antecipar. Mas quem se interessa?