Carlos Alberto Sardenberg
O Globo
“A corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa”, dizia Jô Soares. A gente estava só esperando: o tema corrupção havia de aparecer na campanha. Apareceu. Da pior maneira possível. Mais ou menos assim: sua turma rouba mais que a minha. Ou, claro, meus roubos são menores que os seus.
Corrupção não é apenas uma questão moral. Melhor dizendo: se fosse apenas uma questão moral, já seria importante o suficiente para merecer atenção e propostas dos candidatos.
TEM DE COMBATER – Não basta condenar a roubalheira, muito menos condenar a roubalheira dos outros. É preciso apresentar propostas para restabelecer no Brasil o sistema de combate à corrupção, desmontado meticulosamente nos últimos anos por políticos e tribunais.
Em vez disso, o candidato a liderança, Lula, prefere dizer que a Lava-Jato causou perdas enormes para a economia, com o fechamento de empreiteiras e a destruição de empregos.
É o contrário. A Lava-Jato, deixando provisoriamente de lado a questão dos métodos, descobriu um sistema que corrompia a economia brasileira. As tais empreiteiras ganhavam obras não por competência, mas pelas relações promíscuas com o governo.
OBRAS MAIS CARAS – Como tinham de somar a propina aos lucros, as obras obviamente ficavam mais caras, nem por isso melhores. Ao contrário, muitas obras nem foram concluídas. Foram projetadas e contratadas apenas para gerar caixa. Prática antiga.
Como dizia Mário Henrique Simonsen, em muitos casos é mais barato pagar a comissão e não fazer a obra.
A modernidade no caso da corrupção recente dos governos petistas foi o tamanho da coisa e a eficiência na captação e distribuição dos recursos aos aliados. Tanto é tudo verdade que as condenações com origem na Lava-Jato foram, na maioria, anuladas por questões processuais inventadas para cada caso. Ex-réus se livraram da Justiça, mas ficou evidente que houve grossa corrupção.
Resumo: o Judiciário e o sistema político brasileiros oferecem ao país o pior exemplo possível. Fica estabelecido que há corrupção, mas não há como punir.
LIBEROU GERAL – Pior ainda, o eleitor parece que vai se acostumando a isso. Lula argumenta que o mensalão não é nada comparado ao orçamento secreto. Ou, o roubo deste lado é menor do que o de lá. Bolsonaro, então, consegue fazer pior. Desdenha os casos de seu lado — qual o problema de comprar mais de 50 imóveis com dinheiro vivo? Ou devolve a tese do roubo menor — o que é rachadinha perto do petrolão?
E ficamos assim: eleitores de Lula ou negam tudo, ou admitem que houve corrupção “quase normal”, ou dizem que o tema precisa ser debatido… depois da eleição. Eleitores de Bolsonaro, pior ainda: acreditam em tudo o que se diz de Lula, mas não acreditam em nada do que se diz de Bolsonaro, sempre no quesito roubalheira.
Pode ser que não haja mais tempo, mas existe aí uma porta de entrada para Ciro e Simone. Quem sabe eleitores indecisos ou aqueles que começam a duvidar dos candidatos mais fortes aceitem a tese segundo a qual o combate à corrupção é inegociável.
FALTA AUTOCRÍTICA – Isso também colocaria pressão sobre o favorito, Lula. De todo modo, mesmo sem isso, o candidato petista continua devendo uma autocrítica e propostas bem concretas para reconstruir um sistema legal que, primeiro, iniba a roubalheira e, depois, apanhe os culpados quando a coisa acontece.
Para todos aqui, seria interessante dar uma olhada na Itália. A Operação Mãos Limpas, primeira inspiração da Lava-Jato, desmontou a velha política, ligada ao crime organizado e à corrupção generalizada. Partidos tradicionais desapareceram, mas não a vontade de voltar às velhas práticas.
Para encurtar a história, a operação foi cuidadosamente desmontada, e a Itália entrou numa sequência de instabilidade política ainda maior que costumava acontecer. Não por acaso, entre os grandes europeus, é o país de menor capacidade de crescimento e… de maior corrupção.