Carlos Newton
Dorrit Harazim é a maior jornalista brasileira, sem a menor dúvida. É uma espécie de Otto Maria Carpeaux em versão feminina. Nascida na Croácia, tornou-se jornalista na França e depois veio para o Brasil, convidada para trabalhar na criação da Veja. Logo dominou o idioma e há décadas faz sucesso e foi a única mulher a se tornar redatora-chefe da revista. Já deveria estar na Academia Brasileira de Letras há tempos, e acredito que em breve o presidente Merval Pereira vá preencher essa lacuna.
Na semana passada, o artigo de Dorrit Harazim relatava o testemunho de uma médica americana, a pediatra Seema Jilani, assessora sênior do Comitê Internacional de Resgate, que passou duas semanas no Hospital Al-Aqsa, na Faixa de Gaza. Em longa entrevista a Isaac Chotiner, da New Yorker, ela relatou como foram suas primeiras horas de plantão ali.
RELATO DA MÉDICA AMERICANA – “Ela chegara acompanhada de alguns cirurgiões, um obstetra, um anestesista e um intensivista vindos do Cairo. Já trabalhara em emergências no Afeganistão, no Iraque, no Líbano, no Egito, na Turquia, na Líbia, no Paquistão e há 19 anos fazia pit stops na Cisjordânia e em Gaza. Ainda assim, nada a preparara para o horror que viu no enclave desta vez. A ausência de dignidade ali possível lhe pareceu abissal.
A primeira criança a cair sob seus cuidados foi um menino de 12 meses:
— Ele tinha o braço e a perna direita arrancados por uma bomba. A fralda estava ensanguentada e se mantinha no lugar, apesar de não haver mais perna. Eu o tratei primeiro no chão, pois não havia macas disponíveis (…). A seu lado havia um homem emitindo os últimos respiros. Estava ativamente morrendo havia 24 horas, com moscas por cima (…) O bebê de 1 ano sangrava profusamente no tórax… Não havia nem respirador, nem morfina, nem medidor de pressão em meio ao caos. (…) Um cirurgião ortopédico envolveu com gaze os tocos da criança e comunicou que não a levaria de imediato para o centro cirúrgico porque havia casos mais urgentes — contou com crueza a dra. Jilani.
E concluiu, com empatia, que não conseguia imaginar o que poderia haver de mais emergencial que um bebê de 1 ano sem mão nem perna, sufocando no próprio sangue. A resposta, é claro, todos sabemos, a pediatra também: algum outro estropiado da guerra, com pelo menos uma ínfima chance de ser salvo.
ERRO DE LULA – Ao ler o relato da médica, percebe-se que Lula atirou no que viu e acertou no que não viu. Como presidente de uma nação amiga, jamais poderia acusar Israel de estar agindo como Hitler. Já explicamos na Tribuna que o grande erro é não saber se comunicar.
Se tivesse afirmado que Israel, se continuar agindo assim, acabará sendo comparado a Hitler, seria uma declaração dura, porém verdadeira, que consagraria a liderança mundial de Lula.
Outra coisa, muito diferente, foi dizer que Israel atua igual a Hitler, por manter os ataques. Para Israel, essa acusação requer um rompimento de relações, por se tratar da maior ofensa, possível e imaginável, que possa ser feita ao povo judeu.
P.S. – Com sua mal dosada declaração, Lula deu força para que o Hamás continue mantendo os reféns, circunstância que obrigará Israel a seguir os ataques, numa guerra sem fim, que está destruindo a economia israelense. Nem mesmo Hitler poderia imaginar uma forma tão ardilosa de destruir os judeus, pois os países ocidentais não pretendem bancar essa briga, que Israel não tem condições de sustentar sozinho.