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Nos últimos meses, a fronteira Norte do Brasil está passando por grandes momentos de tensão e de ameaças, principalmente na divisa de Roraima, Essequibo (Guina) e Venezuela. Para podermos mostrar o que está acontecendo hoje, o porquê do Presidente Venezuelano Nicolás Maduro ter realizado um referendo interno para reafirmar eventuais direitos sobre Essquibo (Território em disputa com a Guiana desde o final do século XIX), é preciso analisar as raízes históricas da região e porque a mesma pode virar palco de um conflito sem precedentes no continente Sul-Americano desde a Guerra do Paraguai.
Desde 1899, por conta de uma sentença arbitral realizada em Paris – cabe ressaltar que naquele período do século XIX, para evitar conflitos armados entre as potências políticas, buscava-se, no mecanismo de arbitragem, uma solução pacífica de controvérsias entre nações beligerantes – que determinou que Essequibo fosse transferido para Guiana (então colônia do Reino Unido. O governo Venezuelano nunca aceitou formalmente a decisão; porém sempre respeitou os termos, não cometendo nenhuma agressão armada. Mas a história ainda é mais antiga; voltemos à guerra de Independência da Venezuela contra o Reino de Espanha: em 1810, a Venezuela declara sua independência no território que em 1777 correspondia à Capitania Geral da Venezuela. Em tese, conforme os termos da independência da época, a região à margem esquerda do Rio Essequibo, seria parte da Venezuela; porém, em 1814, o Reino Unido, sob o comando do Rei Jorge III da Casa de Hanover, invadiu as colônias de Demerara, Berbice e Essequibo, que, em 1831, passaram a fazer parte da Grande Guiana (atuais Guiana, Suriname e Guiana Francesa).
Apesar dessa anexação, foi preciso que o Reino Unido mandasse o explorador alemão Robert Schomburgk (o mesmo que descobriu a planta Vitória-Régia Na Missão Botânica de 1835-1839) que, em 1841, foi à região da Guiana com Venezuela e determinou a Linha Schomburgk que serviria de marco regulatório fronteiriço entre os dois países, com base no Rio Orinoco. Ao mesmo tempo, celebrou o acordo de Fronteira com a Guiana Holandesa – atual Suriname. Cabe aqui um pequeno adendo diante da polêmica questão fronteiriça do século XIX: o mesmo explorador alemão recomendou ao monarca inglês que fosse também determinada a delimitação fronteiriça com o Império Brasileiro de Dom Pedro II – tendo-se a origem da questão do Pirara, onde alegou-se que os índios estavam sendo escravizados pelos brasileiros e que o Reino Unido tinha a missão de proteger os povos nativos. A questão do Pirara foi a única demarcação fronteiriça em que o Brasil saiu em desvantagem.
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Fonte: British Royal Geographical Society – Real Sociedade Geográfica Britânica
Após essa demarcação, a Venezuela alegou que tinham sidos retirados seus territórios localizados à oeste do Rio Essequibo. Após alguns pequenos conflitos na região, em 1857, Reino Unido e Venezuela concordaram que a região não sofreria ocupação por qualquer das nações e foi estabelecido o status de territórios disputado. Como dito acima, houve uma arbitragem internação 1897-1899 onde Estados Unidos (representando a Venezuela) e Reino Unido concordaram em respeitar o resultado da arbitragem estabelecida pela Rússia. O resultado da Sentença Arbitral de Paris foi que o Reino Unido seria soberano sobre toda a área em disputa, restando à Venezuela uma porção de terra ao sul e a foz do Rio Orinoco. Esse resultado não foi aceito sob alegação de imparcialidade dos árbitros russos, uma vez que um legatário americano tinha deixado uma carta póstuma afirmando que houvera troca de interesses entre todos os envolvidos.
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O pavio dessa disputa territorial foi retomado em 1966, durante o processo de independência da Guiana, onde o Reino Unido, por conta dos Acordos de Genebra, reconhecera a contenda no território envolvido, mas que as negociações seriam tomadas pela nova nação. Novas arbitragens, protocolos internacionais, acordos e diálogos foram retomados, mas a disputa não fora resolvida. O fato que fez que a Venezuela tomasse atitudes mais robustas diante de um vizinho não tão bélico foi a descoberta em 2015, pela ExxonMobil de enormes quantidades de petróleo na região. Em 2018, a Guiana processou a Venezuela na Corte Internacional de Justiça (não é a Corte de Haia – Tribunal Penal Internacional – comumente confundidos), para fazer valer a sentença arbitral de Paris de 1899; porém o governo de Caracas não reconhece nem a legitimidade dessa sentença nem a autoridade da Corte para solucionar essa controvérsia.
Em 2021, Nicolás Maturo emitiu uma nota oficial afirmando que Essquibo era venezuelano e que iria tomar medidas concretas para cumprir o domínio local; atitude vista como ameaça direta à soberania e à integridade da Guiana, por boa parte da comunidade internacional. A última cartada, em uma tentativa de legitimar suas ações, o governo de Nicolás Maduro realizou um referendo em dezembro de 2023 para saber a opinião da população – sem entrar no mérito da probidade e dos meios nos quais foram realizados o referendo, nem em indicar quantos venezuelanos efetivamente participaram – onde 95% dos participantes demonstraram-se favoráveis ao processo de anexação territorial, o que sabemos que envolve um possível conflito armado.
Cabem aqui algumas notas de referência. Soluções de Arbitragem Internacional, ainda mais territoriais, só têm efetivo valor se e somente se as partes envolvidas efetivamente respeitarem os termos. Se uma das partes não respeita, a outra irá pleitear o cumprimento nas cortes internacionais; porém são anos de recursos. Só na América Latina, são pelo menos 10 contestações territoriais, onde até o Brasil tem disputas territoriais: Ilha Brasileira e Rincão de Artigas – ambas contra o Uruguai. Outro ponto: o referendo Venezuelano não tem nenhum efeito internacional, tão somente efeito para os venezuelanos; e está sendo usado como mecanismo de legitimação do governo Maduro. Todavia, o que determina o resultado do referendo: anexação de todos o território da margem Oeste do Rio Essequibo; concessão de cidadania venezuelana aos guianenses desta região; não reconhecimento dos Acordos de Paris de 1899 e nem da Jurisdição da Corte de Justiça Internacional. O território em disputa tem grandes quantidades de petróleo (11 milhões de barris de petróleo segundo estimativas), ouro, cobre, diamante, ferro, bauxita… e é uma fonte econômica importante para Guiana.
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Fonte: EJAtlas, Ministério de Recursos Naturais da Guiana
Aí a pergunta que surge: quem tem razão? Na minha humilde opinião, se houve algum vício nos Acordos de Paris de 1899, seria território Venezuelano; todavia, se o Acordo foi correto e legal, cabe o direito à Guiana, mesmo pela ocupação até os dias de hoje. O que preocupa este humilde advogado? As violações das normas internacionais e o início de um conflito armado, que inevitavelmente colocaria o Brasil como agente pacificador da região e colocaria no papel de nação mais importante do hemisfério Sul para poder guiar esta situação à solução pacífica; além disso, peço que volte ao primeiro mapa e observe que, próximo à fronteira disputada, em território Brasileiro, há a região da Raposa Serra do Sol que é palco de inúmeros conflitos, entre fazendeiros, indígenas, garimpeiros, por conta das riquezas.
De maneira responsável, o governo brasileiro colocou tropas de prontidão na fronteira para proteger nossa soberania territorial e enviou diplomatas. Apesar de relações próximas entre Lula e Maduro, o Brasil tem a tradição pela neutralidade pragmática e equidistante, além de priorizar a solução pacífica de controvérsias. Brasil possui acordos de cooperação e de treinamento conjunto com a Guiana, ao passo que esta possui acordo de cooperação militar com os Estados Unidos, Reino Unido, França e Canadá. Estamos novamente em momentos em que a “guerra é improvável e a paz é impossível”, nos dizeres do sociólogo francês Raymond Aron em contexto de Guerra Fria.
*Doutor Vitor Monteiro é advogado especializado em direito tributário e constitucional, formado pela UFRJ, com pós-graduação em relações internacionais pelo Curso Clio Internacional e em Comércio Exterior pela Fundação Aduaneiras. Atualmente faz mestrado em política e gestão estratégica na UFF.