Muitos eram os sonhos do jovem que saiu da propriedade rural dos seus pais, em Aurora (a 464 km de Fortaleza), região do Cariri. O primeiro deles, ser fiscal de banco. Ao conquistá-lo, com muito esforço e estudo, ele quis ir além.
Esta é uma parte da história de Francisco Assis Saraiva Mangueira, 64 anos, fundador das empresas Nova Aurora e Juá, instaladas nos municípios de Ipaumirim e Juazeiro do Norte, respectivamente.
Com mais oito irmãos, ele teve a sua vida transformada pela educação. Alfabetizado em casa, caminhava mais de 20 quilômetros, todos os dias, para poder fazer na cidade o 5º ano primário. Nesta época, para ajudar no sustento da família, ele carregava e vendia lenha no lombo de um animal.
O seu tino para o comércio, que já aparecia desde os 12 anos de idade, ficou adormecido por algumas décadas. Professor do curso técnico em Agropecuária, no município de Lavras da Mangabeira, Assis estudava no turno da noite, com um grupo formado pelos seus alunos, para prestarem o concurso do Banco do Brasil, quando passou na quinta tentativa.
Porém, a vontade de empreender ficou apenas adormecida em seu peito. Olhando para o que era possível e já fazendo pesquisa de mercado, Assis se deu conta que, além de alimentos, todas as famílias precisavam de produtos de limpeza, mais precisamente de sabão.
E foi da união da vontade com essa percepção que nasceu a fábrica de sabão Nova Aurora, ainda no fim da década de 1980. Neste tempo, também junto com o sonho de empreender e o apoio incondicional do seu grande amor da vida, Maria Elzivane, a dona Zizi, nasciam também seus filhos, Talita, Camila, Laís e Assis Jr. Com eles, ainda, a vontade e a necessidade de crescer e fazer ainda mais.
Mais de 30 anos se passaram. Neste período, a família saiu de Ipaumirim para Juazeiro do Norte, onde Assis deu mais um passo, comprando sua nova fábrica de sabão em barra, que recebeu o nome de Sabão Juá.
Com a reestruturação de produtos, a marca passa a ser apenas Juá e hoje é uma das maiores do Estado em produtos saneantes e um faturamento aproximado, em 2022, de R$ 90 milhões, e estimado de R$ 140 milhões em 2023.
Atualmente, as empresas já contam com as filhas Laís e Talita, como diretoras financeiras, e Assis aposta no neto Ravi, entusiasta do trabalho e visão do avô, para seguir o seu legado.
O POVO – Como foi a sua infância e adolescência?
Assis Mangueira – Sou natural de Aurora. Nascemos em um sítio. Sou o quinto de nove irmãos. Morávamos em um sítio, distante da cidade uns 12 quilômetros. Meus pais agricultores.
Vida simples, porque a agricultura de 60 e poucos anos atrás era bem rudimentar, e a gente tirava nosso sustento, como se diz, do cabo da enxada, mesmo. Tudo braçal. E eu comecei a trabalhar bem novinho, com seis anos de idade.
Hoje falam que as crianças não podem trabalhar, mas eu não me arrependo em nenhum momento. Até porque eu trabalhava para ajudar em casa. Tudo era para ajudar na manutenção da família. E comecei bem novinho, porque, naquela época, não tinha veneno para impedir que as aves arrancassem a planta.
Então, nós éramos obrigados a pastorear passarinho para que eles não comessem a plantinha, no período de inverno e, depois, com a planta se desenvolvendo a gente ia ajudar nas outras atividades rurais. Até uns 14 anos eu fiz de tudo na roça: capinar, plantar, arar, e colher o algodão.
A casa mais próxima da nossa ficava, mais ou menos, um quilômetro de distância, mas foi uma infância legal, porque nós tínhamos amigos, então tomávamos banho de açude, jogava bola, uma petecazinha, uma brincadeira. Porém, ter tempo livre era uma coisa difícil.
O POVO – Como se deu a educação formal?
Assis – Nesse tempo, meu pai conseguiu com a prefeitura uma pessoa para nos ensinar, nos alfabetizar. Essa pessoa foi morar lá em casa. Ficou lá por dois anos e depois foi para outras casas da região. E lá, ela conseguiu nos preparar para virmos fazer a 5ª série na cidade. Interessante, que essa moça só tinha até a quarta série primária, mas tudo o que ela sabia conseguiu nos ensinar.
Esse período que nós viemos para a cidade, foi também de dificuldade na agricultura. Então, por necessidade, a gente tinha que achar um meio de sobreviver. Para ajudar na compra da mistura, como se diz, o que a gente conseguia fazer de mais fácil era vender lenha. Passei dois anos fazendo isso, dos 11 aos 13 anos. Cortava a lenha no mato, carregava e vendia.
Nesse meio tempo, consegui um trabalho em um posto de gasolina, porque o dono era analfabeto e precisava de uma pessoa para fazer anotações e atender. Eu era bem menino, 12 anos, e fiquei sozinho fazendo o atendimento dos clientes. Fiquei um tempo, voltei a carregar lenha e, depois, fui trabalhar na borracharia de um amigo.
Lá eu lavava um carro, ganhava um trocado e levava para casa. Tudo era para a casa. Eu caminhava de casa para a cidade 12 quilômetros para ir e para voltar, e ainda tangenciava os animais, todos os dias. No estômago, só ia água, mesmo, e levava um lanchinho, um cuscuzinho com rapadura, para comer depois, que era o que tinha.
O POVO – O que ficou desse tempo?
Assis – A gente olha para trás e vê que foi um tempo difícil, mas foi de muito aprendizado e também de muita felicidade, porque éramos muito unidos, todos os irmãos e ainda somos, até hoje, que só somos oito. Era isso que meus pais sempre pregavam e viviam. Eu via a união deles com os meus tios e isso foi passando de geração para geração.
E hoje, graças a Deus, ainda continuamos unidos, mesmo que cada um no seu canto, com as suas coisas, nos comunicamos e temos o prazer de nos encontrar. Isso, para nós, é uma benção.
O POVO – E o senhor ficou fazendo esse trajeto da roça para a cidade até quando?
Assis – Até a 8ª série. Foi quando fui estudar no Colégio Agrícola, em Lavras da Mangabeira (a 26 km de Aurora), que era um colégio interno. Lá, tinha uma curiosidade, porque todos os que estavam comigo, estudando, naquela época, achavam muito pesado, mas, para mim, era a maior moleza do mundo, era uma beleza, perto da realidade que eu tinha.
Então, quando eu terminei o curso técnico em Agropecuária, em 1977, como lá tinha muita dificuldade de professor, para ensinar matérias técnicas, em 1978 eu comecei a lecionar matérias. Foi um desafio e tanto. Porque, eu fui enfrentar a sala de aula e era um garoto de 18 para 19 anos, em uma turma que tinha um aluno, que era um senhor com 45 anos.
Esse senhor tinha sido presidente do sindicato, essas coisas, só tinha feito o primeiro grau e tinha vontade de crescer, de se profissionalizar, e foi estudar no colégio e foi ser meu aluno.
Era um desafio profissional muito difícil, mas era uma oportunidade e eu não podia deixar aquilo escapar da minha mão. Era uma remuneração boa em relação aos meus colegas de classe, que foram para o mercado de trabalho na época e que ainda era bem favorável para quem fazia esse curso técnico.
Para se ter uma ideia, tinha Emater, cooperativas, Incra, Sudene, muitos órgãos. Então, na época, você terminava e saía praticamente empregado.
O POVO – E como foi essa mudança de professor para concursado do Banco do Brasil?
Assis – Nesse mesmo período que eu fui lecionar lá eu passei no vestibular para o curso de Ciências, na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), no campus Cajazeiras (PB) e lá conclui o curso e fiquei trabalhando no colégio e estudava, toda a noite para concurso. Porque a minha vontade sempre foi trabalhar no Banco do Brasil.
Era um sonho. Pela estabilidade, pela boa remuneração. Na época, confesso que quando eu era garoto, tinha uma lembrança de uma pessoa que trabalhava de fiscal do Banco do Brasil na nossa região e eu via o trabalho dele, e dizia, rapaz, um dia eu quero trabalhar em um emprego desse.
Porque pelo jeito dele, pelo padrão dele, deveria ter um salário bom e tinha liberdade, visitava a nossa casa, a casa dos vizinhos e parecia ter uma vida mais tranquila.
Então eu fui e me esforcei bastante. Fiz vários concursos. Quando fiz o primeiro eu pensei, rapaz, se eu não passar dessa vez, uma hora eu passo. Eu fazia faculdade e prestava concurso, mas só fui passar quando já tinha acabado a faculdade.
Fiz cinco concursos para conseguir passar. Eu estudava até com alunos meus, do curso técnico. Eu era bom em resolver problemas, mas esse aluno passou e eu passei só três anos depois.
Foi uma alegria muito grande, porque eu tinha certeza que aquela era uma conquista só minha. Era um emprego que não tinha sido arranjado. Porque fui dar aula, claro, porque era um bom aluno, tinha capacidade e queriam alguém que já conhecesse a escola, mas também fui indicado por um primo e eu queria ter uma coisa independente. Eu sempre gostei de ser eu nas minhas conquistas.
O POVO – E como foi a sua carreira como bancário?
Assis – Eu assumi em um dia e três dias depois já estava como fiscal, exatamente no cargo que eu almejei desde jovenzinho. Em Ipaumirim eu trabalhei 13 anos. Só que, com 9 anos, houve uma mudança muito grande no banco e os financiamentos rurais caíram muito. Então, diminuiu muito a necessidade de ter um fiscal de campo.
E eu, nesse período, não conseguia me ver no banco trabalhando em outro setor. Apesar de ter feito concursos internos para fazer carreira na agência.
Uma vez fomos até a Brasília, atrás de um cargo comissionado em nível de supervisão, e não conseguimos. Quando foi depois de um mês, mais ou menos, recebi um telefonema para assumir uma supervisão no Maranhão e me ofereceram duas cidades, mas eu já estava casado, conversei com a Zizi, nós éramos muito aos nossos pais e acabei por não aceitar a vaga.
O POVO – Vou aproveitar que a Dona Zizi entrou nessa história, para perguntar como vocês se conheceram?
Assis – Ah (risos)… Até quando eu conto, muitas vezes, ela diz que não foi bem assim, mas foi e foi bem interessante.
Assim que eu cheguei no banco, em pouco tempo, comecei a namorar uma menina de lá. No dia seguinte que terminamos, eu e essa menina, fui para a cidade vizinha, Baixio, onde estava ocorrendo uma festa.
Era meia noite quando Zizi vinha chegando. Quando vi, saí parecendo uma carcará fui direto. Ela estava com uma amiga, que tinha sido minha contemporânea da faculdade. Era a deixa que eu precisava.
Logo me encostei ali, chamei para dançar, e estamos até hoje. É uma benção eu ter conhecido ela. Mulher de muita fé, oração, é o meu sustento. Em todos os momentos, difíceis ou alegres, nós já passamos muitas dificuldades, ela é aquela mulher calma, tranquila, muito edificadora. Ela é a nossa âncora. Agradeço a Deus todos os dias.
Um ano depois de passar no concurso eu já estava casado. Foi uma paixão muito rápida e já passamos dos 39 anos de casados, tempo que estamos construindo essa família linda, que a gente ama demais, com quatro filhos e, agora, chegando o quinto neto, o Arthur.
O POVO – E como veio a decisão de abrir mão daquele que era o sonho, o emprego estável no Banco do Brasil, para ser o empreendedor dono da fábrica de sabão?
Assis – Bom, esse foi um processo que iniciou com uma reestruturação grande que o banco estava passando e o fato de eu não me sentir bem em outra atividade. Até me ofereceram, na época, um curso de caixa e eu fiz. Mas ficava pensando eu dentro do caixa, naquele cubiculozinho. Porque eu gostava de ser fiscal por ter liberdade, andar, conhecer pessoas.
E também pensava nos outros colegas que queriam e estavam se preparando para a vaga que eu tiraria e isso afetaria muito o orçamento deles. Então, eu ficava com esse negócio na cabeça. Porque, ô, mundo cruel, porque para um entrar vinha um efeito cascata e outros caíam.
No dia que foi para me colocar no caixa, eu entrei no lugar pequeno, voltei e disse: “Não vou, não”. O subgerente na época veio conversar comigo. Me disse que no banco o sonho de todo o funcionário era ser caixa, porque para onde ele fosse transferido, teria uma vaga.
Mas aquele sentimento que aquilo não era para mim, não saia da minha cabeça. Foi quando eu decidi que iria lutar para ter outra atividade. E abri mão da função. Em paralelo, eu sempre gostei de comprar e vender coisas.
Eu comprava um carro, um boi, e vendia e gostava. Então, eu saí pesquisando no mercado, em vários pontos de comércio e observei que sabão era um produto que tinha muito e que todas as casas, as famílias precisavam.
Fui conversar com um amigo que tinha um atacado, gente muito boa, me orientei de quem ele comprava, como ele fazia, e fui sondar na região quem fabricava. Mas, ninguém ensina nada para ninguém.
Você vai, a pessoa é sua amiga, mas quando é para entrar no assunto, de verdade, ele encerra. Teve um amigo que eu liguei e quando disse o que eu queria realmente saber do negócio dele, ele desligou.
Tínhamos sido colegas de colégio. Então, um mês depois que ele desligou o telefone, procurou o meu irmão para saber se eu tinha, então, interesse em comprar a sua fábrica de sabão, em Aurora, onde meus pais ainda moravam.
No mesmo dia que meu irmão me falou, fui na casa do cara e saí com o negócio fechado, mas eu ainda precisava que ele me dissesse como fazer.
O POVO – Foi assim que começou a fábrica de sabão em barra Nova Aurora?
Assis – Foi. O espaço lá era bem pequeno. Um galpão de 10 x 20 metros, mais ou menos, com a marca Nova Aurora, mas sem registro. Era uma fábrica, podemos dizer, clandestina, sem acompanhamentos de fiscalização, sem nada.
Para fechar o negócio eu usei a reserva que tinha acumulado ao longo dos anos. Sempre fui organizado e me chamavam, até de pão duro, mas eu era precavido. A preço de hoje, essa reserva seria em torno de R$ 200 mil.
Para um bancário, isso era uma reserva boa. A gente já tinha casa própria e isso eu acumulei, guardando do salário. Mas, o valor foi para comprar as coisas para produzir, não o lugar. Então, eu tinha que achar um local para montar a fábrica.
Cheguei a pensar em colocar no terreno do meu sogro. Comprei tijolo e materiais de construção, porque precisaria levantar o galpão. O que eu tinha comprado, na realidade, era um tacho de ferro, uma panela grande. Se parar para pensar, eu era louco.
Muitas pessoas ofereceram espaço em seus sítios, onde tinha energia, até que apareceu um espaço perto da cidade, em Ipaumirim, onde a fábrica funciona até hoje.
E aqui tem um parênteses. Esse local era um prostíbulo, tido como ponto de parada dos caminhoneiros. Então, era muito famoso na região. Mas, mudou a estrada e o negócio acabou. Por isso apareceu a oportunidade para eu comprar.
O POVO – E como começou a produção?
Assis – Fizemos uns tanquinhos no chão e fomos trabalhar, mas eu não saí do banco. O meu intuito era fazer o meu expediente no banco e ter uma pessoa para tocar a indústria e sempre pensei no meu cunhado, Cícero Dias Dantas, casado com a irmã da Zizi, que vivia, à época, da agricultura.
Eu pensava: “Ele vai aprender, vou colocar mais gente para ajudar e todo dia eu saio do banco e vou para lá também”. Fazia um terceiro turno e mais sábado e domingo. E ficamos assim quase um ano. Nesse ritmo.
O POVO – E as primeiras vendas, como foram?
Assis – Era eu quem vendia. Eu fazia uma rota a cada 15 dias. Passava nos comércios, deixava os produtos e uma promissória, e voltava depois de 15 dias e a pessoa me pagava o que tinha vendido, se tivesse vendido tudo, eu deixava mais e assim eu ia.
Eu levava na caminhonete 50 volumes, o que dava em torno de 500 quilos de produto, divididos em barras de um quilo. Eu saia do banco toda a tarde e passava nas cidades de volta, nos mercantis, nas vendas, ia oferecendo e já vendendo, mas era tudo muito lento.
O POVO – O senhor conta que não sabia fazer sabão. Como fazia para saber se o seu produto era bom?
Assis – Quando a gente começou a fazer o sabão, o primeiro teste era feito por nós mesmos. A gente pegava, ia na pia, esfregava e ficava olhando se fazia espuma. Como fazia, para nós, estava ótimo o produto.
Então, levei para um amigo, dono de um atacado, que tinha experiência. No outro dia, eu vinha para a fábrica às 5 horas. Esse período eu já estava com o dinheiro bem apertadinho. Quando a gente não tem experiência, o dinheiro você acha que dá, mas não dá para nada para a gente montar um negócio.
Tava lá, era cedo ainda, esse meu amigo parou e disse: ‘Assis, seu produto não vale nada. Parece que é feito de água do mar. Se você não mudar você não vai para lugar nenhum’.
O POVO – Como é que o senhor recebeu essa crítica?
Assis – Olha, com aquilo dali a minha cabeça virou em parafuso. Porque eu não tinha mais dinheiro para comprar mais matéria-prima. Eu precisava vender o que tinha feito para depois ir repondo o material.
Mas, aquilo dali foi um divisor de águas. Eu cheguei na fábrica e, normalmente da hora que chegava até as 7h, quando os funcionários chegavam, eu ficava vendo tudo, anotando tudo, pra ter orientações para dar e correr para o banco.
Nesse dia, eu disse: “Para tudo!” Vamos arrancar dos tachos e limpar. Fui para o banco, fiz algumas ligações e vi se alguém me vendia um pouco de óleo que eu tinha que transformar aquele produto.
Sabão é muito parecido com comida. Você pode consertar colocando uma coisinha a mais, um óleo, uma coisa e você consegue adaptar e, além disso, fui atrás de uma pessoa que realmente soubesse fazer sabão.
Me indicaram uma pessoa que trabalhava com um outro cidadão, peguei o endereço dele e fui à noite. Então, combinamos que eu buscava ele às 17h e deixava em casa, em outra cidade, Cajazeiras (PB) de madrugada. E passamos um bom tempo fazendo esse trajeto.
O produto melhorou muito nesse tempo. No início, quando você não conhece, ninguém ensina nada, você tem que pagar para ver e foi o que eu fiz na época.
Então, se nós chegamos até aqui é porque a gente respeita o cliente, respeita o nosso consumidor e temos um produto de qualidade. Até hoje, mesmo nessa crise, mantivemos a nossa fórmula padrão e se pudermos melhorar, a gente faz.
O POVO – Como foi o processo de abrir mão da estabilidade de ser concursado de um banco público para ser “apenas” empresário? As pessoas lhe julgaram?
Assis – O banco, antigamente, deixava que o funcionário tirasse durante dois anos, uma licença interesse, que era sem remuneração. Eu cheguei a pedir essa licença várias vezes ao meu gerente. No banco, hierarquicamente, você só pode pedir alguma coisa à direção geral através da sua agência.
Eu já estava com a fábrica fazia três anos, via que ela precisava muito de mim. Só ter um executivo lá dentro não era o suficiente, até porque eu também não sabia, muito bem, delegar. E o meu gerente só me dizia não.
Então, chegou um dia em que eu fiz uma carta, apresentando que tinha um funcionário a mais naquela agência e isso não podia e que eu estava com uma atividade particular que estava me impedindo de ser o funcionário que sempre fui, mas, mesmo assim, ele indeferiu, alegando os motivos dele.
Eu guardo tudo isso como um certificado de que eu era um funcionário comprometido e dedicado no meu trabalho. Até que um dia, quase um ano depois, depois de tanto eu insistir, argumentar que eu estava trabalhando demais, ele aceitou dar a minha licença.
No dia que foi para começar, minhas pernas balançaram. Eu pensei, meu Deus, como vai ser eu sem o banco. Porque tinha o lastro de amizades, toda dia a rotina e ele me identificava, de certa forma, porque naquela época, ser bancário do Banco do Brasil era status.
Para se ter uma ideia, eu abri mão de uma remuneração de 20 salários mínimos, o que era excelente para a época e até agora. Então, eu tremi na base, sim. Passei seis meses em licença e veio um programa demissão voluntária. Resolvi entrar e fui tocar a minha nova atividade.
Na época, a decisão ficou mais entre eu e minha esposa. Os filhos ainda eram pequenos. Mas tinha muita gente que dizia que eu estava fazendo uma loucura. Eu lembro bem de um amigo, que quando a gente conversava ficava desesperadinho com essa minha atitude.
Ele, até hoje, é um grande amigo que sempre teve um carinho muito grande por mim e se preocupava comigo. Mas, eu acredito que aquela foi a decisão certa, apesar de depois eu ter desandado financeiramente por questão de desorganização financeira, de má gestão.
O POVO – O que aconteceu, então, nesse período de crise financeira?
Assis – Dois anos depois dessa saída do banco, por eu não saber administrar bem, as coisas ficaram muito ruins e essa fase durou pouco mais de um ano.
Eu fazia de tudo para não perder o crédito e, graças a Deus, nunca tive um cheque devolvido, nunca pagava um título com atraso, era sempre em dia. Mas tive que atrasar imposto. Aí, veio uma fiscalização federal e o negócio ficou apertado.
Inclusive, como forma de ganhar tempo, levei uma carta na Receita Federal entregando tudo, me livrando da empresa e, aí, o delegado da época me disse que as coisas não funcionavam assim, que eles não recebiam empresas, mas que poderiam parcelar a dívida em 30 vezes corrigidas e eu tive que aceitar.
Tudo isso era a Nova Aurora ainda. Então, foi um tempo que eu pensei, até em vender a empresa. Foi quando uma pessoa que já vendia para mim e vendia bem, me disse que o produto era bom e que eu tinha crédito na praça, que precisava só eu administrar.
E nesse mesmo tempo, um amigo, que tinha uma fábrica em Ipaumirim, tinha feito o curso Empretec, do Sebrae, e chegou contando maravilhas. E eu pensei, rapaz, tô precisando desse curso.
E, rapidamente, consegui me inscrever no curso que foi um divisor de águas na minha vida. De lá para cá eu procurei me organizar e, dois anos depois, lá se vão mais de 25 anos depois de tudo isso, eu nunca mais tive que ir em um banco para descontar um título.
Lógico, depois disso eu fiz vários cursos, fiz outros cursos pelo Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Ceará), fiz um MBA em Gestão Executiva, e aquilo deu uma alavancada, que fez com que em pouco tempo eu pensasse em evoluir.
O POVO – Em que momento surge o Sabão Juá?
Assis – O Sabão Juá eu fiquei conversando e negociando durante um ano. Quando apareceu essa fábrica para comprar, em 1997, eu estava esgoelado, lá, sem poder comprar. Eu fui fazendo as minhas propostas e consegui. Esse cidadão, que ofereceu a fábrica, torcia muito por mim.
Mas, claro, a família tinha medo, porque, na época, eu tive que hipotecar tudo o que já tinha conseguido. Só que ainda só tínhamos sabão em barra e eu sentia que se eu não tivesse uma gama de produtos, não evoluísse, eu seria engolido com o tempo.
Com o que tinha aprendido no Empretec, eu vim para Juazeiro fazendo pesquisa de mercado, avaliando os custos, tudo direitinho. E foi um sucesso. Lá em Ipaumirim nós já vendíamos uma média de 35 mil caixas e tínhamos 34 funcionários.
Aqui, em Juazeiro, começamos com quatro pessoas e a intenção era produzir cinco mil caixas por mês, que era o que a gente precisava para sobreviver. E, em menos de um ano, a gente já estava vendendo 15 mil caixas. Então, tínhamos uma margem grande e um custo bem calculado e bem reduzido.
A fábrica, que era para ser paga em 36 meses, nós conseguimos pagar em dois anos. Nesse mesmo período já deu certo a gente ter a moradia da família, aqui em Juazeiro. Já deu certo da gente comprar o espaço para montar a fábrica e tirar do local que era alugado e pequeno.
Na época nós assumimos uma conta grande, com financiamento de veículos, frota, maquinário, de construção, mas eu tinha tudo planejado. A minha grande dificuldade, nesse tempo, foi a de gerir pessoas. Eu saí de 8 funcionários para 80. Então, delegar para mim era uma grande dificuldade.
O POVO – Como foram ocorrendo os outros passos para se tornar uma empresa de produtos de limpeza?
Assis – A partir de 2009 fomos implementando um mix de produtos. Além do sabão em barra tínhamos amaciante, desinfetante, detergente de lavar louça, lava roupas em pó e, de lá para cá, mantemos essa tradição de ir lançando novos produtos ou versões todos os anos.
Conseguimos, através de um projeto, incentivo fiscal, que fez toda a diferença e fazíamos tudo certinho. Tínhamos um compromisso com o Estado de gerar 80 empregos e, no fim do projeto, a gente já estava com 150 colaboradores. Nesse projeto tinha uma promessa de faturamento e, quando chegamos ao fim, já estávamos com quatro vezes mais do que o valor estipulado. Então, foi outro sucesso.
Mas para poder chegar aqui foi muito trabalho, resiliência, né? Hoje, graças a Deus, a gente é muito bem recebido no mercado, tanto pelos nossos clientes, quanto pelos fornecedores. Temos uma aceitação e até uma disputa para nos vender, porque toda a vida honramos nossos compromissos rigorosamente em dia. É uma das coisas que eu mais prezo.
E, como patrimônio, acredito que tenhamos a transparência, a honestidade com o nosso cliente, nossos amigos, nossos colaboradores. Nosso patrimônio são nossos colaboradores muito dedicados, muito comprometidos.
O POVO – Em todo esse processo o senhor diz ter contado com boas pessoas. Quem são elas?
Assis – Tem duas pessoas que considero que foram chave. Que são aquelas pessoas que você confia, que você acredita e sabe que ali estão os seus olhos dentro do negócio. Uma é o meu cunhado, que trabalha desde o início em Ipaumirim. Pessoa muito bacana, de muito respeito e muita parceria. Eu já estou aqui em Juazeiro há 25 anos e lá é tocado por ele. E temos o prazer de sempre que vamos lá, encontrarmos as coisas melhores.
Já a outra pessoa trabalha aqui em Juazeiro, que é meu primo, Vicente Hildegardo de Lima, que quando eu vim para abrir ele estava parado, estava desempregado na época. E eu chamei para trabalhar conosco e disse olha, não vai ser uma coisa muito boa em termos de salário, mas se der para mim, dá para você e graças a Deus ele está desde o início e acredito que esteja satisfeito.
E, ao longo do tempo, foram surgindo várias outras pessoas que foram compondo a equipe e são maravilhosas. Temos pessoas que estão conosco há 18 anos, 14 anos. Então, são pessoas que a gente vê a maior virtude, que é a honestidade. Você poder confiar na integridade daquela pessoa, isso não tem preço.
Eu digo que eu tenho uma equipe muito boa. A grande maioria está conosco há um bom tempo e são verdadeiros parceiros. Um exemplo foi a pandemia, que passei um tempo fora, por conta da saúde, e o negócio andou.
Claro que, em parte, isso ocorreu por termos implantado um sistema de gestão integral. Nós somos hoje uma empresa certificada 9001 desde 2015 e mantemos essa certificação e isso nos dá a condição de gerir a empresa de forma mais monitorada, acompanhada, mapeada.
E faz com que a gente esteja todo tempo buscando melhorar processos, melhorar nossa qualidade. É um processo de melhoria contínua.
O POVO – Como era ter a Dona Zizi como sócia e integrante da fábrica lá no início e essa convivência 24 horas na fábrica e em casa?
Assis – Ah! Conviver com ela é uma benção. A calma do mundo todo chegou ali e parou. A convivência nossa sempre foi muito boa, muito pacífica, é uma parceira e tanto e, lá na fábrica, ela deu um duro danado.
E foi por um bom tempo, porque a gente não tinha como estar contratando, no início. Então, tinha dia que ela ficava até a noite, porque o caminhão tinha que sair cedo. Hoje é tudo automatizado, mas naquela época era tudo manual. Ela tinha que escrever forte, porque para sair uma carga para fora do Estado, eram quatro, cinco vias e tinha que passar no carbono e ficar arquivado por muito tempo.
Ela deu um duro grande e sempre foi parceira, mãezona, uma mulher sem comparação.
Conheça o legado familiar: descendentes
Filhos – Talita; Camila; Laís e Francisco Assis Jr / Netos – Gabriel; Raíssa; Ravi, Rian e Arthur
O POVO – A entrada das suas filhas, Talita e Laís, foi automática, o senhor via que elas queriam, ou as incentivou?
Assis – Olha, quando a Talita começou a fazer a faculdade, para não ficar só em casa e como ela também já tinha esse convívio muito próximo com a gente, ela começou a ir lá para a fábrica ajudar a gente. Em pouco tempo ela estava fazendo parte, organizando, acompanhando os pagamentos, ajudando a funcionária que faturava. Então, foi, como se diz, automático.
E Laís também, quando foi para a faculdade de contabilidade, também já foi para dentro da fábrica. Elas foram trabalhando, foram aos poucos entendendo como é que funciona, já fizeram vários cursos mas não são especializadas nesta área. Porém, devido a esta convivência, acompanhando toda a execução, elas entendem de todo sistema de gerenciamento, mapeamento da empresa.
Elas acompanham todos os planejamentos estratégicos, investimentos, tudo passa por elas e elas estão lá para opinar e tem sido sempre bem acertado.
O POVO – O que tem de bom ter a família nos negócios e o que pode ter de ruim?
Assis – Olha, de ruim não tem nada, porque a gente trabalha pensando na família. Para mim seria um grande trauma se eu não tivesse elas duas (as filhas Talita e Laís) lá.
O Assis (Júnior) desde novo o pensamento dele era de ser arquiteto. Camila foi mãe cedo, o primeiro filho ela teve com 17 anos e o segundo, com 19 anos, e depois ela foi fazer o curso de Medicina e é médica que trabalha dentro da sua profissão e, por isso, não trabalha dentro da fábrica.
Eu digo, daqui a 25 anos, farei 89 anos e quero estar lá, tratando de assuntos com ela. Quem sabe, com 50 anos de empresa.
O POVO – Como o senhor avalia a indústria de materiais de limpeza do Ceará?
Assis – É um mercado muito competitivo. Basta dizer que são produtos que estão presentes em todos os lares. São indispensáveis e têm alto giro no mercado. Então, as margens são muito pequenas e o que vai fazer a diferença para você sobreviver é ter um custo o mais reduzido possível e uma gestão bem fechada.
Nesse mercado, temos um gargalo grande, hoje, principalmente nos últimos anos, que são o dólar, a pandemia e a guerra, porque a maior parte dos nossos produtos ou as matérias primas são importadas.
E isso fez, nos últimos anos, com que os nossos produtos tivessem um acréscimo gigantesco. Além disso, nós que trabalhamos com sabão, que é um produto muito popular, estamos competindo com um mercado de biodiesel que é um grande problema para a fábrica de sabão.
Isso porque as duas indústrias usam como matéria prima a gordura, tanto a animal como a vegetal. O que nós utilizamos, na maior parte, é a gordura animal, o sebo bovino, e esse produto tem ido muito para o biodiesel, que fica de péssima qualidade, mas serve para cumprir a meta do governo.
Já é comprovado que o biodiesel feito de resíduo animal danifica mais os motores, mas quem faz não tem muita escolha, porque só o óleo de soja, de algodão, não são suficientes, e eles precisam recorrer a gordura animal. Então, esse produto tem aumentado a concorrência e para nós, produtores de saneantes e trazido grandes dificuldades.
Inclusive esse fato é motivo de campanha da Associação Brasileira da Indústria Saboeira (Abisa), que tenta fazer com que o sebo não seja utilizado no biodiesel, já que essa concorrência aumenta os preços e prejudica, principalmente, as famílias de baixa renda, que usa sabão em barra.
E sempre vale lembrar que limpeza é saúde. Inclusive, nesse período de pandemia, nós tínhamos que ter produto de qualidade no mercado, e enfrentamos uma grande dificuldade devido ao aumento do dólar. Então isso foi um grande gargalo, principalmente nos últimos dois anos.
O POVO – Antes da pandemia, o senhor trabalhava para estar presente em todos os estados do Nordeste. Como ficou essa meta?
Assis – Olha, ainda não conseguimos atingir. Nós tivemos um grande recuo, uma grande dificuldade. E aqui esse nós são todos os que produzem produtos de limpeza, inclusive as grandes marcas nacionais enfrentaram problemas, principalmente devido à falta de insumos.
Para se ter uma ideia, tivemos produtos que saíram de R$ 6,50 para R$ 18,60. Produtos de R$ 2,80 que bateu no preço de R$ 11, e isso inviabilizou o crescimento. Por isso, procurando atender ao mercado mais próximo, com uma logística de custo menor.
Também lançamos outras marcas, com produtos de menor preço, que são a Baleia e a Oxente, para continuarmos nos fazendo presentes no mercado, haja vista que nesse período, dos últimos três anos, o pessoal estava procurando muito por preço e não por qualidade. Era o que cabia no bolso que estava sendo comprado.
Agora, neste ano, nós estamos em fase de expansão. Inclusive, estamos aumentando a nossa capacidade de produção, que no momento é de cerca de 250 mil caixas de produtos por mês, para 600 mil caixas de produtos por mês, de todo o nosso mix.
Estamos aumentando, também, o mix de produtos e construindo uma área maior para receber os nossos produtos acabados (estoque) e estar ainda mais presente no mercado, de forma mais eficiente e atendendo toda a demanda da dona de casa.
O POVO – Existia, também uma vontade de ter uma linha institucional, que atendesse hospitais, hotéis e escolas, por exemplo. Como está esse processo?
Assis – Estamos desenvolvendo. Já temos alguns, mas agora com investimento e adequação dos espaços, nós vamos dar uma expandida também esse ano, para ter essa linha toda completa, principalmente para atender essa demanda hospitalar e da área de saúde.
Hotéis, já atendemos, mas é esporadicamente. Com essa linha institucional, está dentro do nosso plano estratégico ter atendimento a grandes negócios. E isso passa por esse aumento da nossa capacidade produtiva. Para se ter uma ideia, hoje estamos com a produção de um mês vendida antecipada.
Em breve vamos duplicar a nossa capacidade de produção nos dois turnos em que já trabalhamos e, ainda, vamos implantar o terceiro turno, em toda a linha de produção, a partir deste mês (abril).
O POVO – O senhor já falou um pouco do impacto da pandemia na indústria, mas gostaria que falasse nas vendas, já que a população nesse período, precisou consumir mais produtos de limpeza, porém, teve o poder de compra reduzido. Como a sua empresa fez para driblar essa situação?
Assis – A primeira coisa que tivemos que fazer foi lançar produtos de menor preço, que são as nossas marcas Oxente e Baleia. Que já estão firmes no mercado e vem crescendo, haja vista a carência de recursos das pessoas.
Os salários, nestes últimos três anos, foram corroídos. A gente sabe disso também porque temos um programa de distribuição de cestas básicas, em Ipaumirim, onde está desde o início a fábrica do sabão Nova Aurora. Lá tem uma comunidade muito carente. E o preço da cesta que doamos dobrou nos últimos três, literalmente, com os mesmos itens.
Então, o nosso consumidor tem que escolher o produto que cabe no orçamento dele, e a gente se adaptou. Antes o nosso mesmo produto era para todas as classes e todos podiam comprar. Hoje, temos produtos para as classes A e B e produtos para as classes C, D e E, porque fomos obrigados a ter esses diferencial.
Porém, graças a Deus, conseguimos fazer um produto bom com um custo benefício melhor ainda e com um bom desempenho nas gôndolas. Isso me deixa muito feliz e é sinal que a gente está no caminho certo.
Na nossa expansão, esses populares também serão expandidos. É um bem de primeira necessidade, o produto de limpeza, todos os lares têm. Temos pesquisas que fazemos anualmente, e todo esse mapeamento mostra essa necessidade de ter esse produto de segunda linha.
Em todos os mercados que atuamos têm esses produtos. As linhas Oxente e Baleia estão só no varejo e a linha Juá temos tanto no atacado, como no varejo.
O POVO – Como a Juá fechou 2022?
Assis – Olha, meus colegas de mercado ligavam para mim, com essa pergunta, pessoas de outros estados, e eu sentia que eles queriam um termômetro. O ano começou bem difícil mas eu mantive essa linha de pensar positivo.
Eu perguntava para eles: “Você está bem? Com saúde? Com força de lutar? Então vamos para frente que vai dar certo”. O ano de 2021 foi muito difícil para todos os setores do mercado, mas o de produto de limpeza, eu tenho para mim que foi o mais crucificado, dado esse aumento de preço dos insumos.
Tivemos aumento de frete em contêiner que saiu de U$ 2 mil para U$ 10 mil, em 2021 e, agora, já estamos em um valor de U$ 4 mil, que está nos dando uma margem para respirar. Então, em 2022 nós fechamos positivo, mas 2021, não.
Foi aquela história do poder de compra das pessoas e o lançamento das marcas de menor preço, que fez 2022 ter números melhores e o gráfico voltar a subir. Porque tivemos um pico de vendas no setor de produtos de limpeza em 2020 e, depois, o gráfico foi só descendo. Não que seja um consolo, mas não foi só para gente, isso foi para todos.
Em 2022 o gráfico começou a subir e continua subindo, nas metas quantitativas, de resultados e estamos muito otimistas para 2023, que vamos permanecer nesse pique, crescendo e queremos, até 2024, estar com essa capacidade produtiva que estamos aumentando agora, toda comprometida.
O grupo, em 2022, faturou aproximadamente R$ 90 milhões e a previsão é de que no próximo, o grupo venha a chegar a R$ 140 milhões. Estamos nesse pique e pelo andar dos últimos seis meses, acredito que vamos conseguir alcançar essa meta.
O POVO – O sabão em barra, artesanal, ainda é um dos seus produtos, produzidos na planta Nova Aurora. Quem ainda usa esse tipo de produto, e quais os produtos o senhor vislumbra para o futuro?
Assis – Olha, na planta Nova Aurora, o projeto é manter a produção para esse público da classe C e as mais inferiores, que ainda preferem a barra de um quilo. E acredito que no Nordeste, somos os únicos que ainda temos esse processo de fabricação, com matéria prima de qualidade, que é o óleo de algodão refinado.
Por isso, o nosso produto tem uma alta performance.
E sobre os produtos para o futuro, nós estamos em constante desenvolvimento, sempre melhorando e lançando novos produtos, que trazem uma performance melhor, melhores essências, produtos com uma pegada mais ecológica, de reciclagem.
Então você vem sempre trabalhando, com branqueador ótico, enzimas, perfume encapsulado. Então, são componentes modernos e nós estamos em constante mudança e constante trabalho de melhoria do nosso processo.
Mas, como novidade para os próximos anos, estamos em desenvolvimento, em fase de estudo, de um produto tipo uma pasta que seja utilizado o óleo como matéria prima e que seja totalmente reciclável.
Um produto que vai usar o óleo que usamos na fábrica de Ipaumirim hoje, para fazer o sabão em barra. Esse é um produto para quem busca comodidade, pois ele fica em um potinho e, facilmente você pega para lavar a louça, por exemplo. Lembrando que é um sabão, não é um detergente e é totalmente orgânico.
O POVO – Essa é a nova cara do sabão em barra, o sabão em pasta?
Assis – O sabão em barra, há muitos anos quando eu iniciei a fabricação, três anos depois eu comecei a participar dos primeiros congressos e lá a gente sempre via o pessoal falando que ele iria desaparecer.
Porém, o sabão está muito presente nas comunidades de baixa renda. Por exemplo, no Nordeste, no Norte do Brasil, nos países da América Latina. Na Europa já não existe mais, nos Estados Unidos, muito menos. Hoje, o maior consumo nesses países desenvolvidos é o sabão líquido.
E se apostava muito que até o sabão em pó iria desaparecer. Até quando eu comecei a investir em sabão em pó, diziam que ele também iria acabar, porque a aposta era o líquido e eu cheguei a recuar. Mas, principalmente no Nordeste, a aceitação do rural não é tão boa, até pelo viés cultural.
Mas o sabão em barra ainda vai durar. Para você ter uma ideia, nos meses de outubro, novembro e dezembro (2022), como houve uma recuada no preço da gordura, nós vendemos o que nós não tínhamos vendido nos nove primeiros meses do ano.
E nestes três primeiros meses de 2023 também estamos vendendo bem. De outubro para cá, já caiu 40% o preço, e fez com que o consumidor pudesse comprar.
O POVO – O senhor acredita que as suas fábricas estão inseridas nas comunidades?
Assis – Sim e o Eco Juá, nosso projeto socioambiental, é exemplo disso. Aqui vou abrir um parênteses. O projeto foi iniciado em 2016 como uma ideia da Sabão Juá, em uma visita minha em uma escola. Aqui, nós somos muito procurados para ajudar as comunidades, igrejas, associações. A gente é muito demandado para doar produtos de limpeza.
Mas, uma escola aqui no município me pediu um bebedouro e eu fui visitar o local para conhecer melhor a necessidade, e lá eu vi, na cantina da escola, várias garrafas com um pouco de óleo que eles utilizavam na cantina da escola, para fazer a merenda.
Na hora veio na minha cabeça sugerir uma gincana na escola, para que eu não doasse, simplesmente, o bebedouro, mas que a ação ficasse marcada. Então, a gincana propôs recolher o óleo que tinha na comunidade deles, aqui em Juazeiro (do Norte) e eles recolheram mais de 400 litros de óleo, em cerca de 60 dias.
E, na época, eu não tinha muito o que fazer com esse óleo. Mas a gente levou para a unidade de Ipaumirim, onde fazemos o produto artesanal e procuramos adicionar esse material na composição, até que fizemos com que esse óleo virasse um componente de um produto que a gente já vendia.
Como a gente é muito demandado, teve aqui, o Instituto de Apoio à Criança com Câncer, que fica em Barbalha, vinha mensalmente coletar produtos de limpeza que a gente doava e eles queriam que a gente desse uma ajuda, em dinheiro, permanente, para a manutenção do Instituto.
Aí, naquele período, veio a ideia das pessoas doarem o óleo para o instituto e eu repassaria um valor por litro de óleo recolhido. E esse projeto, que nasceu assim em 2016, tomou uma dimensão grande e hoje, nós estamos presentes em mais de 65 cidades do estado do Ceará, atendemos quase 80 instituições.
Atualmente, pagamos R$ 2,50 por litro de óleo e muitas pessoas acham pouco. Porém, no ano passado, repassamos mais de R$ 150 mil para as instituições que fazem parte e têm um trabalho social magnífico.
Por outro lado, esse tema é muito em voga hoje, sustentabilidade. Você dar o destino certo dos seus resíduos, fazer a coleta seletiva e a gente tem tido um apoio muito grande do Governo do Estado, através da Secretaria do Meio Ambiente e é um compromisso nosso, com o Estado, estar presente, até 2024, em todas as cidades do estado do Ceará através dos consórcios de resíduos sólidos.
O POVO – Qual o legado que o senhor acredita que deixa para a sua família?
Assis – Eu acredito que o que eu quero deixar de legado é essa capacidade luta, de não baixar a cabeça, de não se entregar e acreditar no seu potencial, na sua força, porque quando você acredita em você, faz com que os outros acreditem e a gente forme uma força de pensamento forte e consiga ultrapassar barreiras.
A união, a família tem que estar unida para qualquer desafio, qualquer circunstâncias, nada pode separar. Eu venho de um exemplo bem forte porque eu tenho nove irmãos e todos somos muito unidos e esse foi um legado que meus pais deixaram.
Hoje eu tenho essa alegria de estar com a minha família e mostrar, sempre, que a união é muito importante. Ser perseverante e acreditar que a gente não faz nada sozinho, mas que Deus está ali para nos proteger, nos abençoar, e acreditar também nas pessoas.
O POVO – Que legado o senhor acredita que a sua empresa, que essa história que o senhor construiu, deixa para a economia do Ceará?
Assis – Olha, eu digo isso com muito prazer e até eu digo agradecendo a Deus. Eu tenho 32 anos que têm pessoas comigo, com carteira assinada. E por mim já passaram muitas pessoas, devido a eu ter outras atividades na área de construção civil, pelo menos nos últimos quinze anos.
Dentro da empresa também, e o que tenho muito prazer de dizer é que nós temos hoje, cerca de 200 colaboradores entre as fábricas de Juazeiro e Ipaumirim e, nesses anos todos, eu não tenho uma causa trabalhista.
Quer dizer, é uma relação boa que a gente constrói com aqueles que estão ao nosso redor. Então, o legado que acredito que estou fazendo para o estado do Ceará é a geração de emprego, é a geração de divisas, de impostos.
Nesses 32 anos nunca atrasei, nem um dia o pagamento do ICMS, que é com o que o Estado se mantém, e acredito até que é por isso mesmo que o Estado tem nos apoiado naquilo que a gente reivindica.
Então, acredito que o legado que a gente deixa para o Estado é esse, é contribuir com o desenvolvimento e com a história do Ceará.
Bastidores
Vista privilegiada
A equipe que foi até Juazeiro do Norte foi recepcionada na residência da família Assis, em Barbalha. Com uma vista privilegiada da serra e de toda a cidade de Juazeiro do Norte, foi deste local, que antes era apenas casa de final de semana, que Assis e Zizi viram a pandemia passar e de onde ele tocou online os seus negócios, por recomendação da família.
Reconhecimento
Na fábrica, Assis cumprimenta e recebe sorrisos de todos os colaboradores. Casualmente, no dia em que estávamos gravando lá, era o dia da festa dos aniversariantes do mês, quando todos confraternizam e escutam as palavras de agradecimento e incentivos de crescimento do fundador do local.
Visita ao Padim
Incentivados por Assis, que é católico e acredita na energia da cidade, fomos visitar o Horto do Padre Cícero. Paloma, que é gaúcha, para conhecer a cultura e devoção regional e os fotógrafos do O POVO para fazerem novos registros do local, visitado por milhares de pessoas anualmente.
Projeto Legados
Essa entrevista exclusiva com o fundador da Juá, Assis Mangueira, para O POVO dá continuidade à segunda temporada do projeto Legados: A tradição familiar como pilar dos negócios.
Serão nove entrevistas com grandes empresários para contar a base que sustenta seus princípios, valores e tradições familiares que estão sendo passados para as novas gerações. E, ainda, o legado empresarial para o Ceará.
No próximo episódio, conheça a história da Mana Holanda, que ao lado do esposo Manoel, transformaram a história do atacado de moda cearense com a criação do Maraponga Mart Moda.